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ANÁLISE
Um relatório forte, mas fará diferença?
RUPERT CORNWELL
DO "INDEPENDENT"
É um volume imponente, com
567 páginas, e critica impiedosamente as agências de inteligência
americanas, as defesas internas
do país e a organização de seu governo. É provável que se torne
uma fonte primordial de pesquisa
para os futuros historiadores do
11 de Setembro.
Contém várias recomendações
de mudança, para ajudar a evitar
futuros e ainda mais devastadores
ataques que, nas palavras do presidente da comissão de inquérito,
"são possíveis e até mesmo prováveis". A questão mais premente,
no entanto, é simples: será que a
comissão do 11 de Setembro e o
relatório que produziu farão alguma diferença?
A autoridade do trabalho da comissão e suas conclusões são irreprocháveis. O grupo estudou 2,5
milhões de páginas de documentos e entrevistou 2.000 funcionários do governo -começando
por Bush- e especialistas. E, fato
raro na Washington ferozmente
polarizada de hoje em dia, seu trabalho foi de fato realizado de maneira bipartidária. Cinco dos
membros da comissão são democratas, cinco são republicanos.
Mas o relatório foi redigido de
forma unânime.
Mas diversos problemas -alguns deles práticos, outros ideológicos- podem impedir a implementação das recomendações.
Todos elogiarão a sabedoria e o
alcance do trabalho. Mas não esqueçamos de que o presidente
Bush resistiu por muito tempo ao
estabelecimento da comissão.
Apenas a intensa pressão nacional, liderada pelos parentes dos
cerca de 3.000 mortos naquele
dia, forçou o governo a recuar.
Ontem, ele não soava como um
homem a quem o relatório tivesse
galvanizado para a ação.
Algumas das propostas, especialmente a recomendação mais
importante, a de criar uma posição de comando central dos serviços de inteligência, provavelmente despertarão oposição feroz da
parte da CIA e do Departamento
da Defesa, determinados a não
perder poder.
Donald Rumsfeld, o secretário
da Defesa, declarou publicamente
que a "centralização" da inteligência seria a pior das soluções.
Para o diretor interino da CIA,
John McLaughlin, é necessário,
na prática, dar ao chefe da agência
-ele mesmo- os poderes que já
lhe cabem em teoria. Uma imensa
disputa burocrática por território,
uma das especialidades de Washington, certamente acontecerá.
O calendário político tampouco
torna provável qualquer forma de
ação rápida. O tempo do atual
Congresso praticamente se esgotou. As atenções estão fixadas na
campanha presidencial.
O relatório deliberadamente
apresenta uma posição equilibrada em relação a Bush e a seu antecessor, Bill Clinton.
Ambos cometeram erros, disse
o presidente da comissão ao apresentar o relatório, "mas foram
mal servidos pelas agências de inteligência e pelo FBI". O Congresso também foi criticado por sua
fiscalização descuidada dos serviços de informações. "Os líderes
do país não compreenderam a
gravidade da ameaça." Sim, houve alertas, mas ninguém estava
disposto a acreditar que aviões
fossem transformados em bombas no espaço aéreo dos EUA.
A escrupulosa imparcialidade
da comissão foi criticada como
uma fuga deliberada às questões
controversas -determinar, por
exemplo, se, em meio à obsessão
de seu governo com o Iraque e ao
clima de Guerra Fria que voltou a
dominar Washington, Bush descuidou da ameaça da Al Qaeda.
Mesmo assim, o relatório decerto influenciará a campanha eleitoral que começa a se desenrolar.
Bush, obviamente, porque estava
no comando quando os ataques
aconteceram, tem mais a perder
em termos políticos, ainda que a
conclusão geral do relatório seja a
de que quase certamente era impossível impedir os ataques, a não
ser que uma coincidência muito
afortunada interviesse.
A ressonância do relatório será
maior entre aqueles que perderam amigos e parentes nos ataques. Se nada for feito, eles não
permitirão que a questão seja esquecida.
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