São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

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ANÁLISE

Um relatório forte, mas fará diferença?

RUPERT CORNWELL
DO "INDEPENDENT"

É um volume imponente, com 567 páginas, e critica impiedosamente as agências de inteligência americanas, as defesas internas do país e a organização de seu governo. É provável que se torne uma fonte primordial de pesquisa para os futuros historiadores do 11 de Setembro.
Contém várias recomendações de mudança, para ajudar a evitar futuros e ainda mais devastadores ataques que, nas palavras do presidente da comissão de inquérito, "são possíveis e até mesmo prováveis". A questão mais premente, no entanto, é simples: será que a comissão do 11 de Setembro e o relatório que produziu farão alguma diferença?
A autoridade do trabalho da comissão e suas conclusões são irreprocháveis. O grupo estudou 2,5 milhões de páginas de documentos e entrevistou 2.000 funcionários do governo -começando por Bush- e especialistas. E, fato raro na Washington ferozmente polarizada de hoje em dia, seu trabalho foi de fato realizado de maneira bipartidária. Cinco dos membros da comissão são democratas, cinco são republicanos. Mas o relatório foi redigido de forma unânime.
Mas diversos problemas -alguns deles práticos, outros ideológicos- podem impedir a implementação das recomendações. Todos elogiarão a sabedoria e o alcance do trabalho. Mas não esqueçamos de que o presidente Bush resistiu por muito tempo ao estabelecimento da comissão.
Apenas a intensa pressão nacional, liderada pelos parentes dos cerca de 3.000 mortos naquele dia, forçou o governo a recuar. Ontem, ele não soava como um homem a quem o relatório tivesse galvanizado para a ação.
Algumas das propostas, especialmente a recomendação mais importante, a de criar uma posição de comando central dos serviços de inteligência, provavelmente despertarão oposição feroz da parte da CIA e do Departamento da Defesa, determinados a não perder poder.
Donald Rumsfeld, o secretário da Defesa, declarou publicamente que a "centralização" da inteligência seria a pior das soluções. Para o diretor interino da CIA, John McLaughlin, é necessário, na prática, dar ao chefe da agência -ele mesmo- os poderes que já lhe cabem em teoria. Uma imensa disputa burocrática por território, uma das especialidades de Washington, certamente acontecerá.
O calendário político tampouco torna provável qualquer forma de ação rápida. O tempo do atual Congresso praticamente se esgotou. As atenções estão fixadas na campanha presidencial.
O relatório deliberadamente apresenta uma posição equilibrada em relação a Bush e a seu antecessor, Bill Clinton.
Ambos cometeram erros, disse o presidente da comissão ao apresentar o relatório, "mas foram mal servidos pelas agências de inteligência e pelo FBI". O Congresso também foi criticado por sua fiscalização descuidada dos serviços de informações. "Os líderes do país não compreenderam a gravidade da ameaça." Sim, houve alertas, mas ninguém estava disposto a acreditar que aviões fossem transformados em bombas no espaço aéreo dos EUA.
A escrupulosa imparcialidade da comissão foi criticada como uma fuga deliberada às questões controversas -determinar, por exemplo, se, em meio à obsessão de seu governo com o Iraque e ao clima de Guerra Fria que voltou a dominar Washington, Bush descuidou da ameaça da Al Qaeda.
Mesmo assim, o relatório decerto influenciará a campanha eleitoral que começa a se desenrolar. Bush, obviamente, porque estava no comando quando os ataques aconteceram, tem mais a perder em termos políticos, ainda que a conclusão geral do relatório seja a de que quase certamente era impossível impedir os ataques, a não ser que uma coincidência muito afortunada interviesse.
A ressonância do relatório será maior entre aqueles que perderam amigos e parentes nos ataques. Se nada for feito, eles não permitirão que a questão seja esquecida.


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