São Paulo, terça-feira, 23 de agosto de 2011

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CLÓVIS ROSSI

A Líbia inspira algum otimismo


Transição democrática está plena de obstáculos mas também pode oferecer uma leitura positiva da situação


Desnecessário repetir que a transição na Líbia -bem como nos demais países árabes rebelados- será tremendamente complicada, prenhe de obstáculos. Onze de cada dez analistas repetem observações com esse teor -e têm razão.
Limito-me, por isso, a reproduzir análise de Daniel Serwer, do Council on Foreign Relations: "A instabilidade na Líbia poderia levar a um desastre humanitário, à emergência de um novo dirigente autoritário ou mesmo à dissolução do país". Vale acrescentar que Serwer sugere, como prevenção, que a União Europeia chefie, sob o guarda-chuva das Nações Unidas, uma força de estabilização, com "modesta participação da União Africana e da Liga Árabe".
Sem descartar a sugestão, que parece de bom senso, temo no entanto que ela nasça de um preconceito embutido a respeito da capacidade do mundo árabe de se reestruturar de fato. É um preconceito que tem amparo na realidade: não há país árabe que seja de fato democrático.
Mas talvez o Ocidente esteja menosprezando a capacidade de reação da rua árabe, que, à primeira vista, demonstra um apego incomum à democracia. Derrubar em 18 dias um ditador como o egípcio Hosni Mubarak não é algo trivial. Acabar, como ocorrerá mais cedo que tarde, com Muammar Gaddafi, há 42 anos no poder, é ainda mais impressionante.
Até porque ruiu o aparato de segurança da ditadura, em grande medida pela ação da Otan, o que significa que produzir-se-á na Líbia a primeira mudança de regime. No Egito e na Tunísia, caíram os ditadores de turno mas a estrutura de poder ainda não se alterou. Talvez por isso, a Líbia pode ser o laboratório de um novo mundo árabe/muçulmano que, segundo Philip Zelikow, professor de História da Universidade de Virgínia (EUA), já está fermentando.
Zelikow escreveu ontem para o "Financial Times" que "muitos líderes nas comunidades árabes e muçulmanas sabem que não vai dar para criar uma nova oligarquia de compadres, que controle todos os postos chaves e linhas de crédito. Comunidades multiétnicas em países como Líbia, Iraque e Síria estão experimentando ou experimentarão soluções federativas ou mesmo confederativas que conferem maior espaço e delegam autoridade".
Para o analista, o que está ruindo é o modelo de "Estado total, filho decrépito da descolonização". Ao contrário de Serwer e sua proposta de força de estabilização externa, Zelikow defende que o mundo externo seja apenas o estimulador de um novo modelo de Estado, mas não pode ser o que decide.
Soa ingênuo acreditar na possibilidade dessa construção, mas também parecia ingênuo supor que as massas árabes se mobilizassem, espontaneamente, ganhassem as ruas e pusessem para fora rapidamente ditadores que todos, especialmente no Ocidente, tomávamos como parte tão eterna da paisagem como as pirâmides.
No caso da Líbia, o teste da realidade virá, escreve Brian Whitaker, editor de Opinião do "Guardian", da resposta à seguinte pergunta: "Dentro de um ano, os líbios estarão vivendo sob um governo que seja significativamente melhor do que o que os tiranizou por quase 42 anos?"

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Roberto Abdenur



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