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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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ÁSIA

Enquanto o processo político caminha, os confrontos armados, as drogas e a sombra do Taleban tornam o cenário alarmante

Violência afegã ameaça frustrar transição


FRANÇOISE CHIPAUX
DO ""LE MONDE", EM CABUL

Nos engarrafamentos de Cabul, cartazes publicitários anunciando apartamentos em construção disputam espaço com anúncios de cibercafés ou de lojas de produtos eletrônicos. No cruzamento central de Charahi-e-Ansari, 250 pessoas trabalham nas obras do primeiro centro comercial da capital, cuja inauguração está prevista para daqui a um ano. Dentro de menos de três semanas, uma Loya Jirga (grande conselho) deve se reunir para discutir e adotar uma nova Constituição.
De acordo com as previsões, dentro de um ano, mais ou menos, o Afeganistão deverá ter um presidente eleito pelo sufrágio universal, e, nesse mesmo prazo, 50 mil milicianos desarmados devem ser reintegrados à vida civil. Assim, tudo poderia estar indo de vento em popa no Afeganistão, não fosse por alguns problemas. A defasagem entre o processo político impulsionado pela comunidade internacional -e, em especial, por Washington, que quer dar a George Bush um sucesso antes da eleição presidencial de 2004- e a situação em campo nunca esteve tão grande.
A degradação da segurança ameaça a estrutura política provisória visualizada pelos acordos de Bonn (2001). Nos últimos três meses, o país contabilizou 350 mortos, civis e militares, em diversos confrontos.
""A falta de segurança e a lei do fuzil afetam todo o processo de paz", declarou o embaixador da Alemanha recentemente no Conselho de Segurança da ONU, ao voltar de uma missão no Afeganistão.
Dois anos depois de terem sido expulsos de Cabul pelas bombas, em 13 de novembro de 2001, os integrantes do Taleban vêm ressurgindo de forma significativa. Aliados ao que restou das forças fiéis à Al Qaeda e ao ex-premiê Gulbuddin Hekmatyar, eles conseguiram praticamente excluir do processo de reconstrução nacional a quase totalidade do chamado cinturão pashtu, que vai do Nuristão, no leste, até a Província de Nimroze, no oeste. Do ""novo" Afeganistão, os pashtus só vêem sua forma violenta, as forças da coalizão -11,5 mil homens, dos quais 8.000 são americanos- multiplicando suas operações nessas áreas e causando uma radicalização cada vez maior na população.

""Eles têm dinheiro"
A única resposta do presidente Hamid Karzai consiste em satanizar o Paquistão. Islamabad é responsabilizada por um fenômeno que se deve em igual medida à incapacidade das autoridades afegãs de dar a menor solução política, militar ou social aos problemas dessa área. Enquanto 7 dos 10 distritos da Província de Zabul se encontram nas mãos do Taleban, nenhum sentimento de urgência impele Cabul a socorrer as forças que lhe permanecem fiéis.
""Meus 80 soldados não recebem seus salários há meses, e não tenho mais comida para lhes dar. Não tenho dinheiro para telefonar. Estou cercado por uma centena de homens do Taleban, e, apesar de meus apelos por socorro, ninguém veio nos ajudar", disse Zafar Khan, chefe do novo distrito de Khak Afghan.
Expulsos do distrito vizinho de Day Chopan, em agosto, numa operação descrita pelas forças americanas como um sucesso, os homens do Taleban não tiveram dificuldade em voltar. ""Eles ocupam o vazio e se deslocam como querem nas zonas em que as forças americanas não estão presentes", diz um especialista militar.
""Hoje em dia é possível ver integrantes do Taleban por toda parte. Eles se deslocam em grupos grandes e travam combates", constata, contente, um de seus antigos líderes, de volta a Candahar, reduto do antigo regime. ""Eles têm dinheiro, e sua reserva de recrutamento [principalmente nas escolas islâmicas paquistanesas] é inesgotável."
À guisa de remédio, os EUA cogitam enviar para essas áreas pashtus ""equipes de reconstrução provincial" (conhecidas pela sigla PRT), grupos formados por militares e civis cujo papel é reforçar a autoridade do Estado por meio de projetos de desenvolvimento. Cinco PRTs devem ser enviadas ao sul do país nos próximos dois meses. Mas a única PRT americana ativa numa zona pashtu, em Gardez, não fez diferença na região. E é difícil imaginar como as novas equipes vão poder atuar, em meio a uma situação instável que corre o risco de se tornar hostil muito rapidamente se a população se sentir refém, presa entre as tropas americanas e os integrantes do Taleban.
Ao fenômeno do Taleban se soma ainda o problema das drogas. É verdade que os EUA também pagam aos milicianos cujos chefes se beneficiam do dinheiro das drogas, que flui desde a base até o topo do Estado e contribui para a desilusão manifestada por muitos sobre a "nova era". O envolvimento dos senhores da guerra em todos os tráficos não é um sinal encorajador para a democracia prometida para o ano que vem no Afeganistão.


Tradução de Clara Allain


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