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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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ORIENTE MÉDIO

Líder de soldados que se negam a lutar nos territórios diz que a ocupação contraria princípios do Estado israelense

Militar rebelde acredita em risco à Israel democrática

MICHEL GAWENDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE TEL AVIV

O líder do movimento de militares israelenses que se recusam a servir nos territórios palestinos crê que a ocupação da faixa de Gaza e da Cisjordânia, além de estimular o terrorismo e gerar perdas desnecessárias para Israel, pode causar uma guerra entre judeus.
"Quando chegar a hora de removermos os assentamentos judaicos, o que cedo ou tarde acontecerá, é muito provável que os colonos resistirão. Eles têm armas, cultura de violência e disposição", disse à Folha Arik Diamant, 30, sargento da reserva de uma unidade de pára-quedistas -parte da elite militar de Israel.
"A maioria dos colonos aceitaria sair dos territórios palestinos em troca de indenização e de um lugar para morar em Israel, mas os que se recusarem provavelmente lutarão."
Diamant acha que presença do Exército nos territórios palestinos -ocupados na Guerra dos Seis Dias (1967)- coloca em risco as características de Estado democrático e judaico de Israel. "Israel ainda é uma democracia, a não ser pela atitude nos territórios."
O diretor contou que muitos participantes do movimento são chamados de traidores por amigos e têm problemas até com parentes. "Meu avô tem 90 anos de idade e é da geração dos fundadores de Israel. Ele não entende como posso fazer isso. Mas eu tento explicar que sou a continuação do sionismo, que estou dando continuidade ao trabalho dele."
O movimento Coragem para Rejeitar é pequeno, com 570 adesões. Mas sua mensagem ganha força na sociedade israelense, onde o Exército ainda determina grande parte da formação social e profissional dos jovens e a recusa em servir ainda é um tabu.
"A cada semana, dois ou três militares aderem. Espero que, com o tempo, nossos rapazes usem a cabeça e se recusem a servir nos territórios palestinos", afirmou Diamant, citando uma pesquisa feita em julho pelo Centro Jaffe de Estudos Estratégicos, da Universidade de Tel Aviv, indicando que 25% da população de Israel apóia o movimento.
No início do mês, o comandante das Forças Armadas de Israel, o general Moshe Yaalon, surpreendeu o país ao afirmar que as táticas do Exército incentivam o terrorismo, em vez de suprimi-lo. O Exército limitou-se a emitir nota afirmando que os debates sobre os métodos militares acontecem de forma profissional e não são críticas ao governo Sharon.
A falta de progresso no processo de paz e a incapacidade do governo de conter os ataques suicidas prejudicaram a popularidade de Sharon, que agora promete, para breve, gestos de boa vontade em relação aos palestinos.
Às vésperas do Ano Novo judaico, em outubro, um grupo de pilotos da reserva da Força Aérea de Israel anunciou que não participaria mais de ações antiterrorismo que colocassem em risco a vida de civis na faixa de Gaza e na Cisjordânia. Os militares que se recusam a servir são levados a um rápido e previsível julgamento militar. Em geral, ficam na cadeia o mesmo período que cumpririam de reserva, cerca de 30 dias.
Atualmente, três deles estão presos. Se a lei militar fosse aplicada com rigor, diz o diretor do movimento, as penas poderiam chegar a três anos de cadeia.
Diamant -que, antes de assinar a carta de recusa, atuou em operações antiterrorismo em Jenin, Nablus e Jericó- acha que a ocupação incentiva o extremismo e a violência palestina por atrapalhar a vida das pessoas comuns.
"Há casos de violência desnecessária e injustificada contra palestinos, mas isso não acontece sempre e não é o principal. O principal são os bloqueios entre as cidades, cuja meta é atrapalhar a vida das pessoas comuns."

Israelense, combatente
O serviço militar é obrigatório para homens e mulheres de 18 anos de idade em Israel. Os homens cumprem três anos de serviço regular e continuam na reserva até os 40 anos de idade, em alguns casos até os 45. Em geral, o serviço de reserva dura um mês por ano, mas pode ser mais longo, dependendo da unidade e das necessidades do Exército. As mulheres fazem dois anos de serviço obrigatório, e as combatentes também fazem reserva anual.
O movimento dos "refuseniks" (do inglês "refuse", recusar, com o sufixo russo e hebraico "nik", que determina pertinência) começou a formar-se em janeiro de 2002, quando um grupo de amigos com a mesma maneira de pensar reuniu-se em um café de Tel Aviv para tomar alguma atitude política contra a ocupação.
Eles decidiram comprar espaço publicitário no jornal "Haaretz" e publicar carta contra a ocupação, anunciando a recusa em servir na faixa da Gaza e na Cisjordânia.
"Pouco depois, cheguei para o meu comandante e disse: "Você não encontrará um sargento melhor do que eu, mas não conte comigo para atuar nos territórios palestinos'", disse Diamant. "Ele respondeu que não precisava de um bom soldado apenas para treinamentos e me liberou."
O movimento tem um escritório em Tel Aviv, organiza protestos e mantém um site com versões em hebraico e inglês (www.seruv.org.il/defaulteng.asp).
O grupo diz receber contribuições financeiras de milhares de pessoas do mundo inteiro, incluindo das comunidades judaicas dos EUA e da Europa. Apesar da ideologia antiocupação, os estatutos do grupo afirmam que os membros estão dispostos a servir "em qualquer missão para a defesa de Israel", desde que fora dos territórios palestinos.



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