|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Unidade atrasa 200 anos e chega incompleta
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
No discurso com que inaugurou anteontem a reunião da
Cúpula da Unidade da América
Latina e do Caribe, o presidente
mexicano, Felipe Calderón, datou a "vocação natural" dos países da área para a integração:
viria, disse Calderón, "desde a
própria origem de nossas nações independentes".
Como faz este ano exatos 200
anos que começou o processo
de independência da América
Latina (o Caribe é uma história
mais recente), tem-se, pois, que
a criação dessa nova instância
integradora chega tarde.
Pior: é difícil falar em unidade quando dois dos presidentes
do bloco trocam ofensas em
plena sessão plenária; quando 1
dos 33 países (Honduras) está
suspenso por suspeitas quanto
ao teor democrático da eleição
de seu novo presidente, ainda
que ele seja reconhecido por
vários países da região; quando
outros dois mandatários (os de
Uruguai e Argentina) nem
mesmo se dão bom dia (por
conta da crise provocada por
uma fábrica de celulose no lado
uruguaio da fronteira); quando
as relações entre Colômbia e
Equador não estão normalizadas; quando um dos futuros
presidentes do bloco, o chileno
Sebastián Piñera, faz sérias restrições ao teor democrático de
seu colega venezuelano Hugo
Chávez; e quando Cuba pode
ser tudo menos um país que
respeita os princípios democráticos, que, sempre segundo
Calderón, é um dos "patrimônios" do Grupo do Rio a ser incorporado pelo novo órgão.
Caberia ainda discutir a utilidade de um bloco "puramente
latino-americano", como definiu o cubano Raúl Castro.
Numa era em que, mais que
regionalização, se fala em globalização, perdeu força a ideia
de que pertencer à mesma geografia é um bom fator de integração. Afinal, a China é hoje o
principal parceiro comercial de
mais de um país latino-americano, sem que o subcontinente
tenha condições, mesmo com o
novo bloco, de lidar em conjunto com o gigante asiático.
Há mais: a América Latina
precisa de integração física
bem mais do que da retórica integracionista, velha de 200
anos, como lembrou Calderón.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamenta, constantemente, que é mais fácil voar de
São Paulo a Quito, no Equador,
via Miami, do que diretamente.
Se é assim -e não é o único
exemplo- , fazer de conta que
os EUA não fazem parte das
Américas e, portanto, não têm
lugar entre seus 33 vizinhos, é
ficção ou, pior, antiamericanismo de fígado, não de cérebro.
A crise de Honduras, de resto, mostrou claramente os limites da ação conjunta da América Latina/ Caribe. Todos os países da região rejeitaram o golpe
que depôs Manuel Zelaya, mas
só houve algum princípio de
acordo quando uma missão dos
EUA se apresentou em Tegucigalpa. É verdade que, depois, os
golpistas enrolaram tempo suficiente para que houvesse a
eleição, marcada antes do golpe, ante a passividade ou conivência norte-americana.
Não há razões para supor que
a nova entidade produza resultados diferentes em qualquer
outra situação parecida. Por
enquanto, pois, é mais um dos
exercícios de retórica a que os
latino-americanos adoram dedicar-se desde sempre.
Texto Anterior: Países criam organização regional sem EUA Próximo Texto: Raúl faz 2 anos no poder lançando obra com Lula Índice
|