São Paulo, quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Unidade atrasa 200 anos e chega incompleta

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

No discurso com que inaugurou anteontem a reunião da Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe, o presidente mexicano, Felipe Calderón, datou a "vocação natural" dos países da área para a integração: viria, disse Calderón, "desde a própria origem de nossas nações independentes".
Como faz este ano exatos 200 anos que começou o processo de independência da América Latina (o Caribe é uma história mais recente), tem-se, pois, que a criação dessa nova instância integradora chega tarde.
Pior: é difícil falar em unidade quando dois dos presidentes do bloco trocam ofensas em plena sessão plenária; quando 1 dos 33 países (Honduras) está suspenso por suspeitas quanto ao teor democrático da eleição de seu novo presidente, ainda que ele seja reconhecido por vários países da região; quando outros dois mandatários (os de Uruguai e Argentina) nem mesmo se dão bom dia (por conta da crise provocada por uma fábrica de celulose no lado uruguaio da fronteira); quando as relações entre Colômbia e Equador não estão normalizadas; quando um dos futuros presidentes do bloco, o chileno Sebastián Piñera, faz sérias restrições ao teor democrático de seu colega venezuelano Hugo Chávez; e quando Cuba pode ser tudo menos um país que respeita os princípios democráticos, que, sempre segundo Calderón, é um dos "patrimônios" do Grupo do Rio a ser incorporado pelo novo órgão.
Caberia ainda discutir a utilidade de um bloco "puramente latino-americano", como definiu o cubano Raúl Castro.
Numa era em que, mais que regionalização, se fala em globalização, perdeu força a ideia de que pertencer à mesma geografia é um bom fator de integração. Afinal, a China é hoje o principal parceiro comercial de mais de um país latino-americano, sem que o subcontinente tenha condições, mesmo com o novo bloco, de lidar em conjunto com o gigante asiático.
Há mais: a América Latina precisa de integração física bem mais do que da retórica integracionista, velha de 200 anos, como lembrou Calderón.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamenta, constantemente, que é mais fácil voar de São Paulo a Quito, no Equador, via Miami, do que diretamente.
Se é assim -e não é o único exemplo- , fazer de conta que os EUA não fazem parte das Américas e, portanto, não têm lugar entre seus 33 vizinhos, é ficção ou, pior, antiamericanismo de fígado, não de cérebro.
A crise de Honduras, de resto, mostrou claramente os limites da ação conjunta da América Latina/ Caribe. Todos os países da região rejeitaram o golpe que depôs Manuel Zelaya, mas só houve algum princípio de acordo quando uma missão dos EUA se apresentou em Tegucigalpa. É verdade que, depois, os golpistas enrolaram tempo suficiente para que houvesse a eleição, marcada antes do golpe, ante a passividade ou conivência norte-americana.
Não há razões para supor que a nova entidade produza resultados diferentes em qualquer outra situação parecida. Por enquanto, pois, é mais um dos exercícios de retórica a que os latino-americanos adoram dedicar-se desde sempre.


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