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DIÁRIO DE BAGDÁ
Longa jornada noite adentro
Dormir em Bagdá virou uma operação de guerra
Bombardeios têm ocorrido de meia em meia hora
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SÉRGIO DÁVILA, ENVIADO ESPECIAL
O pior da guerra, você descobre
logo, é conseguir dormir. Os
bombardeios não respeitam horário e, na fase em que os aviões
são utilizados como agora, há inclusive uma preferência pela madrugada, quando a visão desde o
solo fica prejudicada. Assim, ir
para a cama vira quase, trocadilhos à parte, operação de guerra.
Primeiro, é preciso dormir vestido. Por vestido inclua aí os sapatos. Amarrados. É verdade: se
uma bomba atinge o lugar ou
próximo do lugar em que você está e se, por uma sorte (que o faz
continuar), a edificação não for
totalmente destruída, é preciso
gastar no máximo cinco minutos
para chegar ao abrigo antiaéreo.
Ou, se for menos grave, para chegar ao local e ver o que houve.
Assim, de calça, camisa, malha e
sapatos, você se deita na cama.
Não é possível entrar debaixo dos
lençóis, claro. Nem tirar o relógio.
Nem a credencial de imprensa,
que vai identificá-lo na corrida ao
abrigo. Nem o chamado "dog
tag", que traz seu nome, tipo sanguíneo e telefone no Brasil. Nem
as duas bolsas camufladas por
dentro da roupa, uma com metade do dinheiro e as passagens, a
outra com a outra metade, os cartões e passaporte.
Mas há mais. No chão a seu lado
repousa o colete de trabalho, que
tem de trazer pelo menos uma
lanterna, para iluminar o caminho, que obviamente estará escuro. Também o espera a postos o
colete à prova de balas e o capacete idem, itens que são cada vez
mais utilizados pelos jornalistas
no dia-a-dia desta cobertura em
Bagdá, principalmente nos passeios de ônibus. Pesam sete e três
quilos, respectivamente.
E uma mochila perenemente
preparada e fechada, com água
potável, comida desidratada, estojo de primeiros socorros, máscara de gás ABC (antiataques atômicos, biológicos e químicos) e
caixa de antibiótico contra antraz.
Tudo pronto? Tente dormir.
Desde sexta-feira, os bombardeios têm acontecido de meia em
meia hora, mas ou menos. Antes
de a bomba atingir seu alvo propriamente dito, há uma preparação sonora. Começa com as sirenes antiaéreas, que serão seguidas
pelas baterias antiaéreas. Então, a
explosão. Ou as explosões, pois
elas têm acontecido em trios.
Passado tudo isso, sirene, bateria, bomba, explosão, vêm as ambulâncias. Aí, o silêncio. Então,
você tenta de novo pegar no sono.
Mas o motor da geladeira começa
a funcionar, e você dá um salto.
Ou um Passat brasileiro velho
passa na rua com o escapamento
aberto, e você pensa que é um
avião se aproximando. (Ah, sim:
agora, os norte-americanos estão
usando aviões nos ataques; some
esse barulho à sequência sonora.)
Digamos que mesmo assim o
sono venha. Você começa a sonhar. Com terremotos, batidas de
carro ou perseguições (é verdade). Aí, pontualmente às 4h40 da
manhã, os muezins vão aos minaretes para chamar os fiéis para a
reza pelos alto-falantes. Depois
deles, acordam os passarinhos
(ainda há aves em Bagdá, apesar
da guerra e do petróleo queimado
no ar) e, depois deles, começa a
sinfonia de cachorros.
Não dormiu? Tarde demais: já é
hora da próxima bomba.
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