São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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Rádio esquerdista liderou protesto contra Gutiérrez

IAN JAMES
DA ASSOCIATED PRESS, EM QUITO

O estúdio da rádio se enche de aplausos quando o apresentador fala das dezenas de milhares de equatorianos que lotaram as ruas de Quito em protesto contra o governo, resistindo às nuvens de gás lacrimogêneo e terminando por forçar Lucio Gutiérrez a deixar a presidência.
"Um minuto de aplauso. Para quem? Para vocês", disse o chefe do programa, Luiz Pozo, aos ouvintes na quinta-feira. "Em oito dias de protestos, conseguimos nos livrar de Lúcio Gutiérrez!"
Sua rádio alternativa, a La Luna 99,3 FM, exerceu papel-chave na cristalização da desilusão pública com Gutiérrez, injetando ânimo nas manifestações populares que acabaram por derrubar o governo do presidente equatoriano.
Quando o ex-coronel do Exército foi eleito, em 2002, prometendo combater a corrupção e ajudar os pobres, a rádio num primeiro momento o apoiou. Mas sua direção, de tendência esquerdista, acabou por rejeitar Gutiérrez quando avaliou que ele estava assumindo poderes ditatoriais, ignorando a corrupção e descumprindo suas promessas.
A queda de Gutiérrez levou meses para ser completada. Uma semana atrás ele dissolveu a Suprema Corte, o que acabou por suscitar protestos maiores, que, na quarta-feira, terminaram com a decisão da destituição do presidente tomada pelo Congresso.
Enquanto Gutiérrez solicitava asilo político ao Brasil, ouvintes da La Luna telefonavam para parabenizar a rádio. Nas últimas semanas, seus comentaristas pediam a destituição do presidente e abriam as linhas telefônicas a ouvintes irados, para quem as manifestações eram a única saída.
A La Luna promoveu manifestações com temas que mudavam a cada noite. Uma noite os manifestantes batiam em panelas, na noite seguinte estouravam balões nas ruas, em outra noite atiravam papel higiênico. Os protestos receberam apoio total do diretor da rádio, Paco Velasco, que tachou Gutiérrez de traidor e ditador e previu a queda do governo.
A causa atraiu uma larga gama de defensores, desde aposentados até donas-de-casa acompanhadas de seus filhos, todos os quais foram às ruas protestar. Os levantes passados no Equador normalmente foram liderados por sindicalistas, estudantes ou grupos indígenas. "Pela primeira vez no Equador ocorreram protestos sem lideranças", disse Pozo. "Foi a revolta do povo contra todos os políticos tradicionais."
Paco Velasco, ex-professor universitário de 46 anos, conta que pagou um preço pessoal alto por tudo isso: ele e sua família já receberam várias ameaças de morte. Ele escondeu sua família e passou a dormir na própria rádio ou em casas de amigos. "Estes últimos oito dias têm sido difíceis", disse.
Na sexta-feira passada, dezenas de partidários do governo invadiram a rádio carregando tochas acesas e gritando insultos que acabaram por provocar uma briga. Ninguém se feriu. Mas, os funcionários da estação começaram a observar interferências no sinal da rádio. Pozo acredita que as Forças Armadas estariam tentando interromper as transmissões da rádio. A energia elétrica da transmissora foi cortada sem explicações, mas a estação não parou de transmitir.
Os partidários do governo acusaram a La Luna de instigar a violência. Mas os defensores da rádio afirmam que os protestos promovidos pela rádio foram cruciais para a destituição de Gutiérrez.
Os diretores da La Luna dizem que a estação é financiada pelos anúncios e que conserva sua independência. Anos atrás, Velasco a usou para ajudar a liderar a oposição a outro presidente, Abdala Bucaram, que foi acusado de corrupção e destituído pelo Congresso, em 1997, por "incapacidade mental".
Na quarta-feira, quando Gutiérrez foi removido, centenas de pessoas se reuniram diante da rádio. Dentro da estação, dezenas se abraçaram e cantaram o hino nacional. "Quando Lucio foi derrubado, eu chorei", disse Pozo.


Tradução de Clara Allain


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