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Rádio esquerdista liderou protesto contra Gutiérrez
IAN JAMES
DA ASSOCIATED PRESS, EM QUITO
O estúdio da rádio se enche de
aplausos quando o apresentador
fala das dezenas de milhares de
equatorianos que lotaram as ruas
de Quito em protesto contra o governo, resistindo às nuvens de gás
lacrimogêneo e terminando por
forçar Lucio Gutiérrez a deixar a
presidência.
"Um minuto de aplauso. Para
quem? Para vocês", disse o chefe
do programa, Luiz Pozo, aos ouvintes na quinta-feira. "Em oito
dias de protestos, conseguimos
nos livrar de Lúcio Gutiérrez!"
Sua rádio alternativa, a La Luna
99,3 FM, exerceu papel-chave na
cristalização da desilusão pública
com Gutiérrez, injetando ânimo
nas manifestações populares que
acabaram por derrubar o governo
do presidente equatoriano.
Quando o ex-coronel do Exército foi eleito, em 2002, prometendo
combater a corrupção e ajudar os
pobres, a rádio num primeiro
momento o apoiou. Mas sua direção, de tendência esquerdista,
acabou por rejeitar Gutiérrez
quando avaliou que ele estava assumindo poderes ditatoriais, ignorando a corrupção e descumprindo suas promessas.
A queda de Gutiérrez levou meses para ser completada. Uma semana atrás ele dissolveu a Suprema Corte, o que acabou por suscitar protestos maiores, que, na
quarta-feira, terminaram com a
decisão da destituição do presidente tomada pelo Congresso.
Enquanto Gutiérrez solicitava
asilo político ao Brasil, ouvintes
da La Luna telefonavam para parabenizar a rádio. Nas últimas semanas, seus comentaristas pediam a destituição do presidente e
abriam as linhas telefônicas a ouvintes irados, para quem as manifestações eram a única saída.
A La Luna promoveu manifestações com temas que mudavam
a cada noite. Uma noite os manifestantes batiam em panelas, na
noite seguinte estouravam balões
nas ruas, em outra noite atiravam
papel higiênico. Os protestos receberam apoio total do diretor da
rádio, Paco Velasco, que tachou
Gutiérrez de traidor e ditador e
previu a queda do governo.
A causa atraiu uma larga gama
de defensores, desde aposentados
até donas-de-casa acompanhadas
de seus filhos, todos os quais foram às ruas protestar. Os levantes
passados no Equador normalmente foram liderados por sindicalistas, estudantes ou grupos indígenas. "Pela primeira vez no
Equador ocorreram protestos
sem lideranças", disse Pozo. "Foi
a revolta do povo contra todos os
políticos tradicionais."
Paco Velasco, ex-professor universitário de 46 anos, conta que
pagou um preço pessoal alto por
tudo isso: ele e sua família já receberam várias ameaças de morte.
Ele escondeu sua família e passou
a dormir na própria rádio ou em
casas de amigos. "Estes últimos
oito dias têm sido difíceis", disse.
Na sexta-feira passada, dezenas
de partidários do governo invadiram a rádio carregando tochas
acesas e gritando insultos que
acabaram por provocar uma briga. Ninguém se feriu. Mas, os funcionários da estação começaram a
observar interferências no sinal
da rádio. Pozo acredita que as
Forças Armadas estariam tentando interromper as transmissões
da rádio. A energia elétrica da
transmissora foi cortada sem explicações, mas a estação não parou de transmitir.
Os partidários do governo acusaram a La Luna de instigar a violência. Mas os defensores da rádio
afirmam que os protestos promovidos pela rádio foram cruciais
para a destituição de Gutiérrez.
Os diretores da La Luna dizem
que a estação é financiada pelos
anúncios e que conserva sua independência. Anos atrás, Velasco a
usou para ajudar a liderar a oposição a outro presidente, Abdala
Bucaram, que foi acusado de corrupção e destituído pelo Congresso, em 1997, por "incapacidade
mental".
Na quarta-feira, quando Gutiérrez foi removido, centenas de pessoas se reuniram diante da rádio.
Dentro da estação, dezenas se
abraçaram e cantaram o hino nacional. "Quando Lucio foi derrubado, eu chorei", disse Pozo.
Tradução de Clara Allain
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