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O NOVO PAPA
Dúvida é se o novo papa vai adotar tom conciliatório, conforme pronunciamento recente, ou se manterá sua notória inflexibilidade
Bento 16 abre pontificado hoje com missa
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
O papa Bento 16 inaugura hoje
publicamente seu pontificado,
com uma missa para 500 mil pessoas na praça de São Pedro, sob
olhares curiosos e desconfiados.
Suas repetidas palavras conciliatórias desde que foi eleito pelo Colégio de Cardeais na terça-feira
passada serão colocadas em prática ou são apenas peças de retórica
destinadas a desmontar a imagem
construída durante anos como o
"cardeal de ferro", ou mais pejorativamente, "o cardeal panzer"?
Durante quase 24 anos, o alemão Joseph Ratzinger comandou
com notória inflexibilidade a
mais poderosa congregação da
Igreja Católica, a Doutrina da Fé,
famosa no passado remoto, quando era conhecida como Santo Ofício, por mandar à fogueira os desafetos de Roma. Obviamente não
há espaço para autos-de-fé ao pé
da letra hoje em dia, mas figurativamente vários teólogos mais liberais conheceram as chamas das
posições do então cardeal Ratzinger. Leonardo Boff, Hans Küng, a
lista é longa e variada.
Desde que assumiu o agora papa Bento 16 proferiu uma surpreendente série de declarações
moderadas. Disse que vai defender o ecumenismo, os princípios
do liberalizante Concílio Vaticano 2º, mais poder para os bispos.
Exatamente tudo contra o que se
bateu nas últimas três décadas,
após estrear no palco católico
mundial como assessor do liberal
cardeal Josef Frings no concílio.
Há duas leituras para os que
confiam numa mudança verdadeira. Numa, feita pelo cardeal
Cláudio Hummes, o papa não é
mais apenas um cardeal, e sabe a
responsabilidade que recai sobre
cada declaração que der. Investido, Bento 16 tenderia a abraçar o
que d. Cláudio chamou de carismas -ou seja, novos dons, como
o da tolerância, comunicabilidade. "É claro que o indivíduo tem
sua história, mas é um novo tempo para ele", diz o arcebispo de
São Paulo.
Outra, menos otimista e sustentada pelos relatos do que aconteceu dentro do conclave de dois
dias, é que Ratzinger pode apenas
ter sido eleito porque o mais liberal Carlo Martini, arcebispo emérito de Milão, não teria condições
físicas para assumir a igreja. Ambos os cardeais teriam dividido a
primazia na primeira eleição do
conclave, e uma união para definir a parada no segundo dia implicaria a suavização de posição
do alemão -evitando um cenário semelhante ao de 1978, quando o "outsider" Karol Wojtyla foi
eleito como terceira via.
Do lado da desconfiança, que
até agora não foi vociferada publicamente por alguém com peso
real nos processos decisórios da
igreja, há a dúvida básica: o "Ratzinger paz e amor" é para valer?
Um homem muda abruptamente
de atitude em um dia? Ou tudo
não passa de uma estratégia para
desarmar espíritos, e a verdadeira
face do pontificado será vista aos
poucos, nos pequenos atos?
As chances recaem sobre um
caminho intermediário, até porque as versões que circulam na
mídia italiana provavelmente estão exageradas para ou o lado dos
derrotados ou o dos vencedores.
Ratzinger não deverá dar a bênção ao casamento homossexual
ou às pesquisas que impliquem
descarte de embriões. Mas também poderá surpreender com
atos concretos. Se ele publicou
documentos como o "Dominus
Iesus" (2000), que provocou uma
reação contrariada entre todos
que defendem o entendimento
entre as religiões por dizer que só
há salvação no cristianismo, vasculhar sua atuação como assessor
de Frings no concílio pode dar algumas dicas de sua flexibilidade.
O especialista John Allen Jr. atribui a Ratzinger uma crítica feita
por Frings ao então Santo Ofício,
em 8 de novembro de 1963. "Isso
[um pedido de reforma] vale também para o Santo Ofício, cujos
métodos e comportamento não
combinam em nada com a era
moderna, e são causa de escândalo para o mundo. Ninguém deveria ser julgado e condenado sem
ser ouvido, sem saber do que é
acusado e sem ter a oportunidade
de emendar o assunto pelo qual
pode ser repreendido", disse o
cardeal. Com o poder na mão, no
mesmo Santo Ofício já rebatizado, Ratzinger agiu exatamente como seu mentor havia criticado.
Até agora, a única medida prática que tomou como papa disse
respeito à gestão dos negócios da
igreja -e ele manteve tudo como
estava, na composição do "ministério" romano, com um claro "até
segunda ordem" em seu comunicado. Então, resta aos católicos do
mundo, nominalmente 1 bilhão
de pessoas, esperar para ver.
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