São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

Dúvida é se o novo papa vai adotar tom conciliatório, conforme pronunciamento recente, ou se manterá sua notória inflexibilidade

Bento 16 abre pontificado hoje com missa

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O papa Bento 16 inaugura hoje publicamente seu pontificado, com uma missa para 500 mil pessoas na praça de São Pedro, sob olhares curiosos e desconfiados. Suas repetidas palavras conciliatórias desde que foi eleito pelo Colégio de Cardeais na terça-feira passada serão colocadas em prática ou são apenas peças de retórica destinadas a desmontar a imagem construída durante anos como o "cardeal de ferro", ou mais pejorativamente, "o cardeal panzer"?
Durante quase 24 anos, o alemão Joseph Ratzinger comandou com notória inflexibilidade a mais poderosa congregação da Igreja Católica, a Doutrina da Fé, famosa no passado remoto, quando era conhecida como Santo Ofício, por mandar à fogueira os desafetos de Roma. Obviamente não há espaço para autos-de-fé ao pé da letra hoje em dia, mas figurativamente vários teólogos mais liberais conheceram as chamas das posições do então cardeal Ratzinger. Leonardo Boff, Hans Küng, a lista é longa e variada.
Desde que assumiu o agora papa Bento 16 proferiu uma surpreendente série de declarações moderadas. Disse que vai defender o ecumenismo, os princípios do liberalizante Concílio Vaticano 2º, mais poder para os bispos. Exatamente tudo contra o que se bateu nas últimas três décadas, após estrear no palco católico mundial como assessor do liberal cardeal Josef Frings no concílio.
Há duas leituras para os que confiam numa mudança verdadeira. Numa, feita pelo cardeal Cláudio Hummes, o papa não é mais apenas um cardeal, e sabe a responsabilidade que recai sobre cada declaração que der. Investido, Bento 16 tenderia a abraçar o que d. Cláudio chamou de carismas -ou seja, novos dons, como o da tolerância, comunicabilidade. "É claro que o indivíduo tem sua história, mas é um novo tempo para ele", diz o arcebispo de São Paulo.
Outra, menos otimista e sustentada pelos relatos do que aconteceu dentro do conclave de dois dias, é que Ratzinger pode apenas ter sido eleito porque o mais liberal Carlo Martini, arcebispo emérito de Milão, não teria condições físicas para assumir a igreja. Ambos os cardeais teriam dividido a primazia na primeira eleição do conclave, e uma união para definir a parada no segundo dia implicaria a suavização de posição do alemão -evitando um cenário semelhante ao de 1978, quando o "outsider" Karol Wojtyla foi eleito como terceira via.
Do lado da desconfiança, que até agora não foi vociferada publicamente por alguém com peso real nos processos decisórios da igreja, há a dúvida básica: o "Ratzinger paz e amor" é para valer? Um homem muda abruptamente de atitude em um dia? Ou tudo não passa de uma estratégia para desarmar espíritos, e a verdadeira face do pontificado será vista aos poucos, nos pequenos atos?
As chances recaem sobre um caminho intermediário, até porque as versões que circulam na mídia italiana provavelmente estão exageradas para ou o lado dos derrotados ou o dos vencedores.
Ratzinger não deverá dar a bênção ao casamento homossexual ou às pesquisas que impliquem descarte de embriões. Mas também poderá surpreender com atos concretos. Se ele publicou documentos como o "Dominus Iesus" (2000), que provocou uma reação contrariada entre todos que defendem o entendimento entre as religiões por dizer que só há salvação no cristianismo, vasculhar sua atuação como assessor de Frings no concílio pode dar algumas dicas de sua flexibilidade.
O especialista John Allen Jr. atribui a Ratzinger uma crítica feita por Frings ao então Santo Ofício, em 8 de novembro de 1963. "Isso [um pedido de reforma] vale também para o Santo Ofício, cujos métodos e comportamento não combinam em nada com a era moderna, e são causa de escândalo para o mundo. Ninguém deveria ser julgado e condenado sem ser ouvido, sem saber do que é acusado e sem ter a oportunidade de emendar o assunto pelo qual pode ser repreendido", disse o cardeal. Com o poder na mão, no mesmo Santo Ofício já rebatizado, Ratzinger agiu exatamente como seu mentor havia criticado.
Até agora, a única medida prática que tomou como papa disse respeito à gestão dos negócios da igreja -e ele manteve tudo como estava, na composição do "ministério" romano, com um claro "até segunda ordem" em seu comunicado. Então, resta aos católicos do mundo, nominalmente 1 bilhão de pessoas, esperar para ver.


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