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Para especialistas, continuísmo afastará brasileiros
RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO
O pontificado de João Paulo 2º,
ao reforçar a primazia de Roma e
enfraquecer o poder das igrejas
locais, contribuiu para afastar
fiéis da Igreja Católica, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.
Se for, como parece ser, um papa de continuidade, a tendência é
que Bento 16, dizem, faça a igreja
no Brasil continuar a perder fiéis e
importância.
Após um longo período de centralização do poder da igreja em
Roma desde o século 19, o catolicismo viu nascer, em meados do
século 20, o fortalecimento de
conferências episcopais nacionais, que reforçaram o poder dos
bispos como colegiado, tendência
que foi afirmada pelo Concílio
Vaticano 2º (1962-1965).
Esse processo foi deliberadamente contido por João Paulo 2º,
o que, diz o sociólogo Antônio
Flávio Pierucci, professor da USP,
contribuiu para a perda de importância política da igreja no Brasil a
partir da década de 80 e também
para afastar fiéis. Colegiados como a CNBB reforçaram a presença e importância da igreja local,
além de serem "verdadeiras incubadoras de teólogos que pensaram livremente".
"A visibilidade era mais coletiva, e dentro disso havia espaço
para projeção dos mais dinâmicos, dos mais brilhantes", afirma
Pierucci. Um maior poder das
conferências também permitia
matizações das determinações
dos papas, o que contornava conflitos com o "rebanho" e aproximava a igreja de seus fiéis.
"Você é uma jovem mulher que
praticou o aborto, mas você é católica. Gostaria de continuar indo
à igreja e receber a comunhão.
Como é que você vai continuar recebendo a comunhão se existe um
pensamento único? [A força das
conferências] dava uma pluralidade e isso permitia que as pessoas não se afastassem, não fossem entristecidamente afastadas", diz o sociólogo.
Hoje, a CNBB está contida, afirma Pierucci, e a igreja se tornou
"tímida". Ele não acredita em surpresas vindas de Bento 16, mas
num pontificado claramente conservador e centralizador, o que
pode criar conflitos entre os princípios individuais dos católicos e
as determinações da igreja.
Em alusão a um suposto católico que enfrentasse esse dilema
-quer usar a camisinha, exemplifica, mas o papa proíbe-, o sociólogo usa uma frase duríssima
para explicar a possibilidade de
contínua perda de fiéis: "Os que
tiverem estrutura para se desmoralizarem continuarão católicos.
Os que não tiverem estrutura, pelo imperativo da coerência pessoal, vão procurar outra religião".
O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Francisco José Silva Gomes, especialista em história da igreja, concorda que há relação entre aumento do poder de Roma em detrimento do episcopado local e
perda de fiéis. "Essa centralização
está sendo feita no sentido de
maior fechamento da Igreja Católica. Em vez de enfrentar os problemas da modernidade, ela está
se fechando", ele diz.
O historiador afirma que diminuiu a margem de manobra para
padres e bispos. "Se fizerem alguma discussão em temas que não
são permitidos, serão suspensos."
A conseqüência, outra vez, está
na aproximação ou não com o rebanho: "Se você não toca em
questões que os fiéis estão interessados, do cotidiano deles, muitos,
num mundo plural, não têm muitas opções" além do afastamento.
Sem ruptura
Representante da igreja dita
"progressista", o padre João Batista Libânio, 73, teólogo e professor do Instituto Santo Inácio
(centro, em Belo Horizonte, de
formação dos padres jesuítas),
responsabiliza menos o conservadorismo do papa que o avanço da
ideologia individualista e liberal
nos anos 90 pelo enfraquecimento da igreja e a perda de fiéis para
os evangélicos. A descrença em
movimentos sociais, diz, "permite que as pessoas sejam suscetíveis
de serem seduzidas por essa igreja
que resolve os problemas de maneira mais imediata".
Mesmo que o papa venha a ser
conservador e centralizador, Libânio não acredita em rupturas
por parte dos religiosos progressistas. "A grande razão é que não
interessa a nossa posição individual; interessa é o povo. Há um
respeito muito grande ao povo. É
por ele que a gente pensa, reza,
trabalha, escreve e sofre."
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