São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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Para especialistas, continuísmo afastará brasileiros

RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO

O pontificado de João Paulo 2º, ao reforçar a primazia de Roma e enfraquecer o poder das igrejas locais, contribuiu para afastar fiéis da Igreja Católica, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.
Se for, como parece ser, um papa de continuidade, a tendência é que Bento 16, dizem, faça a igreja no Brasil continuar a perder fiéis e importância.
Após um longo período de centralização do poder da igreja em Roma desde o século 19, o catolicismo viu nascer, em meados do século 20, o fortalecimento de conferências episcopais nacionais, que reforçaram o poder dos bispos como colegiado, tendência que foi afirmada pelo Concílio Vaticano 2º (1962-1965).
Esse processo foi deliberadamente contido por João Paulo 2º, o que, diz o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, professor da USP, contribuiu para a perda de importância política da igreja no Brasil a partir da década de 80 e também para afastar fiéis. Colegiados como a CNBB reforçaram a presença e importância da igreja local, além de serem "verdadeiras incubadoras de teólogos que pensaram livremente".
"A visibilidade era mais coletiva, e dentro disso havia espaço para projeção dos mais dinâmicos, dos mais brilhantes", afirma Pierucci. Um maior poder das conferências também permitia matizações das determinações dos papas, o que contornava conflitos com o "rebanho" e aproximava a igreja de seus fiéis.
"Você é uma jovem mulher que praticou o aborto, mas você é católica. Gostaria de continuar indo à igreja e receber a comunhão. Como é que você vai continuar recebendo a comunhão se existe um pensamento único? [A força das conferências] dava uma pluralidade e isso permitia que as pessoas não se afastassem, não fossem entristecidamente afastadas", diz o sociólogo.
Hoje, a CNBB está contida, afirma Pierucci, e a igreja se tornou "tímida". Ele não acredita em surpresas vindas de Bento 16, mas num pontificado claramente conservador e centralizador, o que pode criar conflitos entre os princípios individuais dos católicos e as determinações da igreja.
Em alusão a um suposto católico que enfrentasse esse dilema -quer usar a camisinha, exemplifica, mas o papa proíbe-, o sociólogo usa uma frase duríssima para explicar a possibilidade de contínua perda de fiéis: "Os que tiverem estrutura para se desmoralizarem continuarão católicos. Os que não tiverem estrutura, pelo imperativo da coerência pessoal, vão procurar outra religião".
O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Francisco José Silva Gomes, especialista em história da igreja, concorda que há relação entre aumento do poder de Roma em detrimento do episcopado local e perda de fiéis. "Essa centralização está sendo feita no sentido de maior fechamento da Igreja Católica. Em vez de enfrentar os problemas da modernidade, ela está se fechando", ele diz.
O historiador afirma que diminuiu a margem de manobra para padres e bispos. "Se fizerem alguma discussão em temas que não são permitidos, serão suspensos."
A conseqüência, outra vez, está na aproximação ou não com o rebanho: "Se você não toca em questões que os fiéis estão interessados, do cotidiano deles, muitos, num mundo plural, não têm muitas opções" além do afastamento.

Sem ruptura
Representante da igreja dita "progressista", o padre João Batista Libânio, 73, teólogo e professor do Instituto Santo Inácio (centro, em Belo Horizonte, de formação dos padres jesuítas), responsabiliza menos o conservadorismo do papa que o avanço da ideologia individualista e liberal nos anos 90 pelo enfraquecimento da igreja e a perda de fiéis para os evangélicos. A descrença em movimentos sociais, diz, "permite que as pessoas sejam suscetíveis de serem seduzidas por essa igreja que resolve os problemas de maneira mais imediata".
Mesmo que o papa venha a ser conservador e centralizador, Libânio não acredita em rupturas por parte dos religiosos progressistas. "A grande razão é que não interessa a nossa posição individual; interessa é o povo. Há um respeito muito grande ao povo. É por ele que a gente pensa, reza, trabalha, escreve e sofre."


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