São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

Em 2001, o hoje papa Bento 16 encomendou parecer sobre o religioso tido como santo no Nordeste, mas perseguido pela igreja

Ratzinger pediu estudo sobre padre Cícero

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

Uma história típica da crença popular nordestina aproximou do Brasil, recentemente, o cardeal alemão Joseph Ratzinger, agora papa Bento 16.
Quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em Roma, Ratzinger teve a iniciativa de propor um estudo sobre o padre Cícero Romão Batista, o "padim Ciço" dos romeiros -cultuado como santo no Nordeste, mas renegado (ainda antes de morrer) pela Santa Sé. Só depois desses estudos é que o padre Cícero poderá se tornar santo de verdade.
A iniciativa do cardeal Ratzinger aconteceu em 2001, quando chegava à diocese do Crato (CE) um novo bispo, o italiano Fernando Panico. Essa diocese é a responsável também por Juazeiro do Norte (a 495 km de Fortaleza), município onde se concentra o culto a padre Cícero.

Início do processo
D. Fernando conta que, ao chegar à cidade, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) o informou, por carta, que havia recebido uma correspondência, assinada pelo cardeal alemão. Na mensagem, ele pedia ao bispo de Crato um parecer sobre a possibilidade de ser feito um estudo do caso do padre Cícero. "Imediatamente respondi que sim, e foi iniciado o processo", disse.
Depois disso, o bispo esteve em Roma duas vezes para se encontrar diretamente com Ratzinger, que quis saber sobre o andamento dos estudos sobre o caso e deu até orientações para a conclusão do processo.
"Assim como os milhões de devotos de padre Cícero espalhados pelo país, espero que o papa, que já nos conhece, que conhece o que está acontecendo em Juazeiro do Norte, as romarias, e conhece também um pouco da figura do padre Cícero, possa nos ajudar a responder a essa expectativa do povo, que é ver reconhecida a santidade de padre Cícero", disse d. Fernando.

Informações
Nas conversas em Roma, Ratzinger primeiro autorizou o bispo do Crato a escolher um padre para investigar, nos documentos secretos da Congregação, dados sobre o período em que viveu o padre Cícero (1844-1934), para saber mais sobre suas relações com a cúpula da Igreja Católica. Depois, o próprio cardeal o orientou sobre os procedimentos para a finalização dos estudos.
"Ele disse que sabia dos estudos, que tudo estava bem encaminhado e que, quando concluíssemos as pesquisas, deveríamos mandar os documentos a Roma, onde será constituída uma nova equipe de estudos para finalizar o processo de reabilitação do padre Cícero", disse d. Fernando.
Ele ressaltou o tom aberto e afável com que o cardeal o abordou sobre o assunto e demonstrou interesse pelo tema.

Milagres
A rejeição da cúpula da Igreja Católica ao padre Cícero aconteceu depois que ele começou a ganhar fama como milagreiro e a levar multidões de fiéis a Juazeiro do Norte.
Sua notoriedade começou em 1889, quando, segundo se conta, uma hóstia que ele entregou em comunhão a Maria de Araújo se transformou, na boca da beata, em sangue.
O mesmo fenômeno teria se repetido centenas de vezes, mas era sempre negado pela cúpula da Igreja Católica.
Por insistir em reafirmar o milagre, padre Cícero chegou até a ser excomungado, em 1917, sendo perdoado em seguida. Em 1921, porém, teve suas ordens suspensas em definitivo, não podendo atuar como padre até sua morte, em 1934.
Ao falar na homilia de uma missa, na semana passada, sobre a proximidade do papa Bento 16 com a história de padre Cícero, d. Fernando foi bastante aplaudido pelos fiéis. "Que seja um papa que faça jus ao nome que ele escolheu, que seja uma bênção para todos nós, bento e abençoador."


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