São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Mais que bomba, Irã busca respeito global, diz consultor de Teerã

Para Hooman Majd, tradutor de Ahmadinejad, população apóia o governo na questão nuclear e quer mais isonomia do Ocidente

Iraniano-americano aponta perda de apoio das classes média e baixa ao presidente um ano antes das eleições

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Hooman Majd circula com a mesma desenvoltura nos altos círculos do governo iraniano e entre a elite midiática e cultural americana. Escritor e analista, mora em Nova York e vai com freqüência a Teerã. Seu profundo conhecimento dos EUA o transformou no consultor particular da Presidência iraniana -primeiro a serviço do reformista Mohammad Khatami (1997-2005) e hoje do conservador Mahmoud Ahmadinejad, a quem serve também de tradutor particular para a língua inglesa.
Em entrevista à Folha por telefone desde Nova York, Majd explicou que, muito mais do que a bomba atômica, o Irã busca um reconhecimento de seu papel na história mundial. O analista também traçou um panorama da política interna iraniana um ano antes das eleições gerais e disse que o país é muito mais democrático do que se imagina no Ocidente.

 

FOLHA - Como o sr. vê a suspeita de que o Irã esteja ganhando tempo para conseguir a bomba atômica?
HOOMAN MAJD -
Altos membros do governo me explicaram de maneira convincente que um arsenal nuclear não lhes interessa neste momento. Dito isso, nenhum iraniano desprezaria a vantagem estratégica de ter em mãos tecnologia e perícia para a fabricação potencial de armas atômicas. O que o Irã quer é ser respeitado. Os iranianos não se enxergam como um povo do Terceiro Mundo e exigem o que julgam ser um merecido lugar de destaque na história global.

FOLHA - Existe consenso no país sobre o programa nuclear?
MAJD -
Traumatizada pelo desrespeito histórico a seus direitos (como o petróleo), a sociedade iraniana não quer que o país seja tratado diferentemente dos demais signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear [TNP]. Qualquer taxista sabe que o enriquecimento de urânio é permitido pelo TNP. Xiitas têm uma longa trajetória de direitos renegados, afinal, a existência do xiismo está baseada na negação dos direitos da família do profeta Maomé. O sentimento de ser o cavalo manco lutando por seus direitos legítimos está no DNA dos iranianos.

FOLHA - Qual a situação interna de Ahmadinejad a um ano da eleição?
MAJD -
Ahmadinejad é cada vez mais criticado, tanto pelos reformistas como pelos conservadores. Muita gente o responsabiliza pela inflação e pelo desemprego. Se a situação econômica das classes média e operária não melhorar substancialmente, ele terá problemas.

FOLHA - E como está a oposição?
MAJD -
Depois de Khatami não surgiu nenhum líder à frente dos reformistas. Muita gente quer que ele se candidate outra vez, mas ele próprio me disse que não pretende voltar à Presidência. Fora do movimento reformista, existe uma forte oposição a Ahmadinejad nas fileiras conservadoras. Ali Larijani [chefe do Legislativo] e Mohammad Qalibaf [prefeito de Teerã] serão páreo duro para o presidente e são vistos como mais pragmáticos.

FOLHA - O Irã é uma democracia?
MAJD -
O país é muito mais democrático do que se imagina. Os iranianos desfrutam de liberdades parecidas com as do Ocidente, há debate, e pode-se criticar abertamente o governo, embora existam linhas vermelhas, como a religião. Isso dito, a democracia no sentido original não se aplica ao islã. A maioria dos iranianos é religiosa e prefere que seu governo tenha uma orientação islâmica.


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