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Presidente diz que protecionismo de ricos penaliza pobres e pede uma "ordem econômica social mais justa"
Lula critica Bush e defende "nova ONU"
KENNEDY ALENCAR
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
Ao discursar ontem na abertura
dos debates da 58ª Assembléia
Geral da ONU (Organização das
Nações Unidas), o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva criticou
o "protecionismo" dos países ricos e pediu uma "ordem econômica social mais justa". Lula subiu o tom das críticas aos Estados
Unidos, especialmente ao propor
a reformulação da ONU.
Sem citar diretamente os EUA e
seu presidente, George W. Bush,
Lula afirmou: "Constata-se preocupante tendência de desacreditar a nossa organização e até mesmo de desinvestir a ONU de sua
autoridade política".
Disse ainda que "pode-se talvez
vencer uma guerra isoladamente,
mas não se pode construir a paz
duradoura sem o concurso de todos", numa referência à situação
atual do Iraque, ocupado e controlado pelos EUA após a guerra.
Lula afirmou que o protecionismo econômico era "o maior obstáculo para que o mundo possa
ter uma nova época de progresso
econômico e social". Fez apelo
por concessões comerciais dos
países ricos: "Somos favoráveis ao
livre comércio, desde que tenhamos oportunidades iguais de
competir".
As críticas aos EUA foram as
mais fortes já feitas desde que Lula assumiu Presidência. "A ONU
não foi concebida para remover
os escombros dos conflitos que
ela não pôde evitar -por mais
valioso que seja seu trabalho humanitário", atacou o presidente,
em clara condenação da guerra
dos EUA contra o Iraque, que
ocorreu sem o aval da ONU.
Mais tarde, num almoço oferecido pelo secretário-geral da
ONU, Kofi Annan, aos chefes de
Estado e de governo, Lula e Bush
se sentaram na mesma mesa. Trocaram sorrisos e conversaram de
forma amistosa, segundo auxiliares do brasileiro.
O presidente Lula discursou às
11h35 de ontem (horário de Brasília, 10h35 em Nova York) para
chefes de Estados, de governo e
representantes dos 191 países afiliados à ONU. Sem improviso, leu
um discurso de 23 minutos. Estava um pouco resfriado. Por tradição, um brasileiro é o primeiro a
falar após o secretário-geral.
Ao dizer que sua "experiência
de vida e trajetória política" ensinaram-lhe a acreditar na "força
do diálogo", afirmou que nunca
se esqueceria de uma lição de Mahatma Gandhi -líder da Índia
que pregava a não-violência ao lutar contra o domínio britânico na
primeira metade do século passado. E citou Gandhi, em outra alfinetada em Bush: "A violência,
quando parece produzir o bem, é
um bem temporário; enquanto o
mal que faz é permanente".
Em sua fala, o presidente também citou o papa Paulo 6º e Deus
ao falar da questão da fome.
Lula começou o discurso rendendo "homenagem" a Kofi Annan, a quem tem tentado reforçar
como contraponto a Bush. Antes
do brasileiro, Annan havia feito
um discurso duro, também condenando a política externa norte-americana. Em seguida, lamentou a morte do brasileiro Sérgio
Vieira de Mello, representante da
ONU no Iraque que foi vítima de
atentado no mês passado. "Que o
sacrifício de Sérgio e de seus colegas não seja em vão".
Curiosamente, Vieira de Mello
seria tema também do início do
discurso seguinte, do presidente
norte-americano.
Mas Lula e Bush trataram o brasileiro de forma diferente. Para
Bush, foi um "homem bravo",
que se tornou vítima do terror. O
norte-americano fez questão de
dizer que o terror chegara à ONU
também. Para Lula, Vieira de Mello foi alguém que exerceu pela
ONU um "humanismo tolerante,
pacífico e corajoso".
Reforma da ONU
"Percebo nos meus interlocutores forte preocupação com a defesa e o fortalecimento do multilateralismo", disse Lula, referindo-se
a líderes com os quais se reuniu
em nove meses de governo. Defendeu que a entidade tenha "papel central" na solução da crise
iraquiana.
"Não podemos confiar mais na
ação militar do que nas instituições que criamos com a visão da
história e à luz da razão", afirmou.
Em seguida, defendeu a reforma
do Conselho de Segurança da
ONU, para que "esteja plenamente equipado para enfrentar crises
e lidar com ameaças à paz". Foi
claro ao dizer que a composição
do conselho, especialmente dos
cinco membros permanentes (Estados Unidos, Rússia, China,
França e Reino Unido), "não pode ser a mesma de quando a entidade foi criada há quase 60 anos".
Afirmou que o Brasil estava
"pronto" para dar a sua contribuição em assuntos de segurança,
numa óbvia menção à intenção
do país de se tornar membro permanente do conselho.
Falou que o Brasil buscava se relacionar de forma justa com seus
vizinhos e que a América do Sul
era exemplo de "região de paz,
democracia e desenvolvimento".
Economia
Lula pediu que fosse devolvida
ao Conselho Econômico e Social
(Ecosoc, sigla da entidade) um
papel de importância semelhante
ao do Conselho de Segurança.
"Queremos um Ecosoc capaz de
participar ativamente da construção de uma nova ordem econômica mais justa".
Segundo Lula, "o protecionismo dos países ricos penaliza injustamente os produtores eficientes das nações em desenvolvimento". Foi nesse trecho que falou que o protecionismo era "o
maior obstáculo para que o mundo possa ter uma nova época de
progresso econômico e social".
Segundo Lula, o Brasil e seus
parceiros do G-23 sustentaram na
reunião interministerial de Cancún (México) que o protecionismo, uma "grave questão", pode
ser resolvida por meio de "negociação pragmática e mutuamente
respeitosa, que leve à efetiva abertura de mercados".
Governo
Lula disse ainda em seu discurso que, desde que assumiu a Presidência, teve "avanços significativos" na economia, criando
"condições para um novo ciclo de
crescimento sustentado". Mandou um recado aos países ricos e
seus investidores privados: "Continuaremos a trabalhar com vigor
para manter o equilíbrio das contas públicas e reduzir a vulnerabilidade externa".
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