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São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2003

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Presidente diz que protecionismo de ricos penaliza pobres e pede uma "ordem econômica social mais justa"

Lula critica Bush e defende "nova ONU"

KENNEDY ALENCAR
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Ao discursar ontem na abertura dos debates da 58ª Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o "protecionismo" dos países ricos e pediu uma "ordem econômica social mais justa". Lula subiu o tom das críticas aos Estados Unidos, especialmente ao propor a reformulação da ONU.
Sem citar diretamente os EUA e seu presidente, George W. Bush, Lula afirmou: "Constata-se preocupante tendência de desacreditar a nossa organização e até mesmo de desinvestir a ONU de sua autoridade política".
Disse ainda que "pode-se talvez vencer uma guerra isoladamente, mas não se pode construir a paz duradoura sem o concurso de todos", numa referência à situação atual do Iraque, ocupado e controlado pelos EUA após a guerra.
Lula afirmou que o protecionismo econômico era "o maior obstáculo para que o mundo possa ter uma nova época de progresso econômico e social". Fez apelo por concessões comerciais dos países ricos: "Somos favoráveis ao livre comércio, desde que tenhamos oportunidades iguais de competir".
As críticas aos EUA foram as mais fortes já feitas desde que Lula assumiu Presidência. "A ONU não foi concebida para remover os escombros dos conflitos que ela não pôde evitar -por mais valioso que seja seu trabalho humanitário", atacou o presidente, em clara condenação da guerra dos EUA contra o Iraque, que ocorreu sem o aval da ONU.
Mais tarde, num almoço oferecido pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, aos chefes de Estado e de governo, Lula e Bush se sentaram na mesma mesa. Trocaram sorrisos e conversaram de forma amistosa, segundo auxiliares do brasileiro.
O presidente Lula discursou às 11h35 de ontem (horário de Brasília, 10h35 em Nova York) para chefes de Estados, de governo e representantes dos 191 países afiliados à ONU. Sem improviso, leu um discurso de 23 minutos. Estava um pouco resfriado. Por tradição, um brasileiro é o primeiro a falar após o secretário-geral.
Ao dizer que sua "experiência de vida e trajetória política" ensinaram-lhe a acreditar na "força do diálogo", afirmou que nunca se esqueceria de uma lição de Mahatma Gandhi -líder da Índia que pregava a não-violência ao lutar contra o domínio britânico na primeira metade do século passado. E citou Gandhi, em outra alfinetada em Bush: "A violência, quando parece produzir o bem, é um bem temporário; enquanto o mal que faz é permanente".
Em sua fala, o presidente também citou o papa Paulo 6º e Deus ao falar da questão da fome.
Lula começou o discurso rendendo "homenagem" a Kofi Annan, a quem tem tentado reforçar como contraponto a Bush. Antes do brasileiro, Annan havia feito um discurso duro, também condenando a política externa norte-americana. Em seguida, lamentou a morte do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, representante da ONU no Iraque que foi vítima de atentado no mês passado. "Que o sacrifício de Sérgio e de seus colegas não seja em vão".
Curiosamente, Vieira de Mello seria tema também do início do discurso seguinte, do presidente norte-americano.
Mas Lula e Bush trataram o brasileiro de forma diferente. Para Bush, foi um "homem bravo", que se tornou vítima do terror. O norte-americano fez questão de dizer que o terror chegara à ONU também. Para Lula, Vieira de Mello foi alguém que exerceu pela ONU um "humanismo tolerante, pacífico e corajoso".

Reforma da ONU
"Percebo nos meus interlocutores forte preocupação com a defesa e o fortalecimento do multilateralismo", disse Lula, referindo-se a líderes com os quais se reuniu em nove meses de governo. Defendeu que a entidade tenha "papel central" na solução da crise iraquiana.
"Não podemos confiar mais na ação militar do que nas instituições que criamos com a visão da história e à luz da razão", afirmou. Em seguida, defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU, para que "esteja plenamente equipado para enfrentar crises e lidar com ameaças à paz". Foi claro ao dizer que a composição do conselho, especialmente dos cinco membros permanentes (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido), "não pode ser a mesma de quando a entidade foi criada há quase 60 anos".
Afirmou que o Brasil estava "pronto" para dar a sua contribuição em assuntos de segurança, numa óbvia menção à intenção do país de se tornar membro permanente do conselho.
Falou que o Brasil buscava se relacionar de forma justa com seus vizinhos e que a América do Sul era exemplo de "região de paz, democracia e desenvolvimento".

Economia
Lula pediu que fosse devolvida ao Conselho Econômico e Social (Ecosoc, sigla da entidade) um papel de importância semelhante ao do Conselho de Segurança. "Queremos um Ecosoc capaz de participar ativamente da construção de uma nova ordem econômica mais justa".
Segundo Lula, "o protecionismo dos países ricos penaliza injustamente os produtores eficientes das nações em desenvolvimento". Foi nesse trecho que falou que o protecionismo era "o maior obstáculo para que o mundo possa ter uma nova época de progresso econômico e social".
Segundo Lula, o Brasil e seus parceiros do G-23 sustentaram na reunião interministerial de Cancún (México) que o protecionismo, uma "grave questão", pode ser resolvida por meio de "negociação pragmática e mutuamente respeitosa, que leve à efetiva abertura de mercados".

Governo
Lula disse ainda em seu discurso que, desde que assumiu a Presidência, teve "avanços significativos" na economia, criando "condições para um novo ciclo de crescimento sustentado". Mandou um recado aos países ricos e seus investidores privados: "Continuaremos a trabalhar com vigor para manter o equilíbrio das contas públicas e reduzir a vulnerabilidade externa".


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