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Líderes do Khmer vão a julgamento no Camboja
Cinco dirigentes do regime dos campos de extermínio serão julgados em 2008
Detenções começaram há quatro meses; os réus responderão por tortura e pela morte de mais de mais de 1,7 milhão de pessoas
SETH MYDANS
DO "NEW YORK TIMES",
EM PHNOM PENH, CAMBOJA
Mais de 28 anos depois do final da matança no Camboja, o
primeiro acusado do Khmer
Vermelho chegou ao tribunal
na última terça-feira para responder pela morte de 1,7 milhão de pessoas. Trata-se de um
homem pequenino e anódino
que no passado comandou uma
eficiente e impiedosa máquina
de tortura.
O acusado, Kaing Guek Eav,
conhecido como Duch (pronuncia-se "dóic"), está solicitando fiança para responder
em liberdade às acusações de
crimes contra a humanidade. A
alegação do advogado de Duch,
de que os direitos humanos de
seu cliente estavam sendo violados em virtude de sua longa
detenção, causou risos.
A audiência durou dois dias e
se encerrou com um confronto
entre os advogados, que divergiram quanto a Duch significar
ou não ameaça ao público, correr ou não perigo caso fique em
liberdade e poder ou não fugir,
caso a fiança lhe seja concedida.
O tribunal informou que anunciaria sua decisão depois.
Duch é um dos cinco grandes
líderes do Khmer Vermelho
que foram detidos e acusados
diante de um tribunal especial
nos últimos quatro meses, depois de décadas de demora devida a guerras, divergências políticas e disputas de soberania
judicial. Os julgamentos de todos devem começar em 2008.
"Isso é mais que um sonho",
disse Chea Vannath, um dos líderes na campanha cambojana
de defesa dos direitos humanos. "Eu vivi sob o regime do
Khmer Vermelho e jamais sonhei que um dia seus líderes seriam levados a julgamento."
Tortura e extermínio
Entre 1975 e 1979, o Khmer
Vermelho impôs trabalhos forçados a milhões de pessoas, e
muitas delas morreram de fome, exaustão ou doenças, enquanto outras, como os detentos da prisão dirigida por Duch,
Tuol Sleng, sofriam tortura ou
eram encaminhados aos campos de extermínio.
Pelo menos 14 mil pessoas
foram torturadas sob as ordens
de Duch em Tuol Sleng, também conhecida como S-21, e
enviadas a campos de extermínio. Ao que se sabe, só um punhado delas sobreviveu. "Sob a
autoridade dele, inumeráveis
abusos foram cometidos, entre
os quais homicídio em massa,
detenção arbitrária e tortura",
disse um juiz no tribunal.
Ele mencionou espancamento, esfaqueamento, suspensão
por cordas, remoção de unhas e
imersão em fossas com água.
Duch se converteu em 1996,
por influência de missionários
norte-americanos, e se tornou
evangélico. Aparentemente, está disposto a confessar seus crimes. Quando foi descoberto
por jornalistas, em 1999, ele admitiu sem hesitação ter ordenado e tomado parte em atrocidades. Comparando-se a São
Paulo, disse a repórteres que,
"depois de minhas experiências na vida, decidi entregar
meu espírito a Deus".
Quando os julgamentos começarem, seu depoimento pode prejudicar a defesa de outros
acusados.
Cinco acusados
A audiência da terça-feira
ocorreu um dia depois da detenção de Khieu Samphan, 76,
ex-presidente do Khmer Vermelho. Ele era o último dos cinco acusados que os promotores
pretendiam processar inicialmente. Detido pela polícia no
hospital em que estava se recuperando de um suposto derrame, foi acusado de crimes de
guerra e contra a humanidade.
Dois outros réus foram detidos na quarta-feira da semana
passada: o antigo ministro do
Exterior, Ieng Sary, 83, e sua
mulher, Ieng Thirith, 75, que
também era membro do comitê
central do Khmer Vermelho.
O quinto acusado, Nuon
Chea, 82, o principal ideólogo
do movimento, foi detido em
setembro. Ele estava vivendo
discretamente na casa ao lado
da ocupada por Khieu Samphan, em um antigo baluarte do
Khmer no qual a maioria dos
vizinhos também era membro
da organização.
Todos os cinco se queixam de
problemas médicos e, devido à
demora que se alonga há anos,
surgiu o temor de que morram
antes que a Justiça possa decidir seu destino. O principal líder do Khmer Vermelho, Pol
Pot, morreu em 1998.
O regime do Khmer, que teve
o apoio dos Estados Unidos e da
China -adversária na época da
ex-União Soviética-, foi derrubado por uma intervenção armada do Vietnã, em 1979.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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