São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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Líderes do Khmer vão a julgamento no Camboja

Cinco dirigentes do regime dos campos de extermínio serão julgados em 2008

Detenções começaram há quatro meses; os réus responderão por tortura e pela morte de mais de mais de 1,7 milhão de pessoas

SETH MYDANS
DO "NEW YORK TIMES", EM PHNOM PENH, CAMBOJA

Mais de 28 anos depois do final da matança no Camboja, o primeiro acusado do Khmer Vermelho chegou ao tribunal na última terça-feira para responder pela morte de 1,7 milhão de pessoas. Trata-se de um homem pequenino e anódino que no passado comandou uma eficiente e impiedosa máquina de tortura.
O acusado, Kaing Guek Eav, conhecido como Duch (pronuncia-se "dóic"), está solicitando fiança para responder em liberdade às acusações de crimes contra a humanidade. A alegação do advogado de Duch, de que os direitos humanos de seu cliente estavam sendo violados em virtude de sua longa detenção, causou risos.
A audiência durou dois dias e se encerrou com um confronto entre os advogados, que divergiram quanto a Duch significar ou não ameaça ao público, correr ou não perigo caso fique em liberdade e poder ou não fugir, caso a fiança lhe seja concedida. O tribunal informou que anunciaria sua decisão depois.
Duch é um dos cinco grandes líderes do Khmer Vermelho que foram detidos e acusados diante de um tribunal especial nos últimos quatro meses, depois de décadas de demora devida a guerras, divergências políticas e disputas de soberania judicial. Os julgamentos de todos devem começar em 2008. "Isso é mais que um sonho", disse Chea Vannath, um dos líderes na campanha cambojana de defesa dos direitos humanos. "Eu vivi sob o regime do Khmer Vermelho e jamais sonhei que um dia seus líderes seriam levados a julgamento."

Tortura e extermínio
Entre 1975 e 1979, o Khmer Vermelho impôs trabalhos forçados a milhões de pessoas, e muitas delas morreram de fome, exaustão ou doenças, enquanto outras, como os detentos da prisão dirigida por Duch, Tuol Sleng, sofriam tortura ou eram encaminhados aos campos de extermínio. Pelo menos 14 mil pessoas foram torturadas sob as ordens de Duch em Tuol Sleng, também conhecida como S-21, e enviadas a campos de extermínio. Ao que se sabe, só um punhado delas sobreviveu. "Sob a autoridade dele, inumeráveis abusos foram cometidos, entre os quais homicídio em massa, detenção arbitrária e tortura", disse um juiz no tribunal.
Ele mencionou espancamento, esfaqueamento, suspensão por cordas, remoção de unhas e imersão em fossas com água. Duch se converteu em 1996, por influência de missionários norte-americanos, e se tornou evangélico. Aparentemente, está disposto a confessar seus crimes. Quando foi descoberto por jornalistas, em 1999, ele admitiu sem hesitação ter ordenado e tomado parte em atrocidades. Comparando-se a São Paulo, disse a repórteres que, "depois de minhas experiências na vida, decidi entregar meu espírito a Deus". Quando os julgamentos começarem, seu depoimento pode prejudicar a defesa de outros acusados.

Cinco acusados
A audiência da terça-feira ocorreu um dia depois da detenção de Khieu Samphan, 76, ex-presidente do Khmer Vermelho. Ele era o último dos cinco acusados que os promotores pretendiam processar inicialmente. Detido pela polícia no hospital em que estava se recuperando de um suposto derrame, foi acusado de crimes de guerra e contra a humanidade. Dois outros réus foram detidos na quarta-feira da semana passada: o antigo ministro do Exterior, Ieng Sary, 83, e sua mulher, Ieng Thirith, 75, que também era membro do comitê central do Khmer Vermelho.
O quinto acusado, Nuon Chea, 82, o principal ideólogo do movimento, foi detido em setembro. Ele estava vivendo discretamente na casa ao lado da ocupada por Khieu Samphan, em um antigo baluarte do Khmer no qual a maioria dos vizinhos também era membro da organização.
Todos os cinco se queixam de problemas médicos e, devido à demora que se alonga há anos, surgiu o temor de que morram antes que a Justiça possa decidir seu destino. O principal líder do Khmer Vermelho, Pol Pot, morreu em 1998. O regime do Khmer, que teve o apoio dos Estados Unidos e da China -adversária na época da ex-União Soviética-, foi derrubado por uma intervenção armada do Vietnã, em 1979.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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