São Paulo, quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE COREIA DO NORTE

Objetivo não é matar, mas forçar o diálogo

Ataque também serve a propósitos internos de controle social e de poder em meio a uma sucessão dinástica

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Os disparos da artilharia norte-coreana podem ter matado dois soldados sul-coreanos, mas o objetivo principal não é exatamente causar danos, humanos ou materiais, mas chamar a atenção.
Essa é pelo menos a visão da maioria dos analistas de temas de defesa, com a ressalva de que é sempre muito difícil avaliar sinais emitidos por regimes fechados -e a Coreia do Norte é talvez o mais fechado de todos.
Escreve Aidan Foster-Carter, pesquisador da Leeds University (Reino Unido), em artigo para o "Financial Times": "A mensagem é clara: nós podemos causar problema. Nós sabemos como fazê-lo. É melhor vocês [EUA, Coreia do Sul] acreditarem e começarem a conversar conosco mais seriamente".
Reforça Katy Oh, pesquisadora do Instituto para Análises de Defesa, especialista nas duas Coreias:
"Os EUA e a Coreia do Sul responderam com calma ao ataque norte-coreano a um barco da Coreia do Sul [em março] e não estabeleceram negociações com a Coreia do Norte. Esta ficou frustrada com o fato de que sua provocação não levou a nenhuma mudança dramática na posição americana e sul-coreana, na linha "vamos conversar". Daí o recurso a esse jogo de provocações inesperadas".
Os dois pesquisadores estão se referindo às "six-party talks", lançadas em 2003 e paralisadas seis anos depois com escassos resultados. Participam as duas Coreias, EUA, China, Rússia e Japão.
Foi no âmbito dessas conversas que a Coreia do Norte aceitou fechar suas instalações em troca de ajuda ocidental e da normalização de relações com os EUA.
Não fechou, como ficou evidente na semana passada, ao convocar um cientista americano para testemunhar a existência de moderníssima planta de enriquecimento de urânio.
É um gesto que se enquadra perfeitamente na tese do "vamos conversar" de Katy Oh. Seria muito mais lógico manter em sigilo a nova instalação em vez de abri-la a um cientista estrangeiro, ainda mais americano. Como não fechou, tampouco houve a contrapartida americana.
Mas o ataque à ilha parece servir também a propósitos internos. Katy Oh lembra que acenar com uma ameaça externa é uma característica permanente da política do país, desde o armistício que paralisou a Guerra da Coreia, em 1953: "Ameaças externas são ingredientes úteis e necessários para a elite leal à dinastia Kim manter o férreo controle social e do poder".
Essa necessidade é particularmente aguda agora que se iniciou o processo de sucessão dinástica, em que Kim Jong-un, filho do ditador Kim Jong-il, está se preparando para substituir o pai.
Quais as chances dessa conjunção de fatores levar a uma escalada ainda maior do conflito? Zero, responde Katy Oh, "a menos que a Coreia do Norte comece a usar armas de destruição em massa e maciças barragens de artilharia contra Seul", a capital, não uma ilha remota.
Parece tranquilizador, a não ser pelo fato de que a Coreia do Norte é a sociedade mais militarizada da Terra, com dois quintos da população de 23 milhões em serviço ativo ou como reservistas. Pior: a maior parte de sua artilharia pode alcançar Seul sem grandes dificuldades.


Texto Anterior: País é pobre, mas se orgulha do seu Exército
Próximo Texto: Campanha rica turbina candidato do governo no Haiti
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.