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País expõe contradições de forças de paz
Nações em desenvolvimento fornecem capacetes azuis, mas objetivos são definidos pelo Conselho de Segurança da ONU
Brasil apresenta operação em termos de liderança na região e de solidariedade Sul-Sul, mas o mandato da missão na prática é limitado
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
A presença do Brasil no Haiti
se enquadra no movimento de
redefinição da segurança coletiva no pós-Guerra Fria, com a
multiplicação de operações da
ONU para enfrentar conflitos
internos e emergências humanitárias em países pobres e dados como "falidos".
As missões são aprovadas pelo Conselho de Segurança (CS),
onde as cinco potências reconhecidas no período histórico
anterior (EUA, Rússia, China,
França e Reino Unido) têm
maior peso na definição de seus
objetivos. Mas 90% das forças
para as 17 operações atuais vêm
de países em desenvolvimento.
No caso do Brasil, essa contradição é ressaltada pelo fato
de o governo definir a atuação
no Haiti em termos de liderança regional, da intensificação
da cooperação Sul-Sul e do pretendido papel de mediador entre países ricos e pobres.
Mas a Minustah, a força de
paz, não tem preponderância
na articulação com o governo
haitiano dos projetos de reconstrução. Seu mandato é
prover segurança, embora a
"interconexão" com o desenvolvimento socioeconômico
esteja contemplada nas resoluções do CS.
Frequentemente, quem dita
as regras sobre o destino da ajuda ao desenvolvimento do Haiti
são os maiores doadores, incluindo EUA, França, Canadá e
os bancos multilaterais. No sábado, o chanceler Celso Amorim sugeriu que o Brasil lidere o
esforço de reconstrução do
país, num "plano Lula", mesmo
que não seja o principal provedor de fundos.
"O mandato da missão, reduzindo o componente militar e
ampliando a cooperação para o
desenvolvimento, já tinha que
ter sido redefinido", diz Antonio Jorge Ramalho da Rocha,
professor da UnB que implantou o Centro de Estudos Brasileiros em Porto Príncipe.
Ele ecoa reivindicação que
vem do início de 2008, quando
a Minustah avaliou que a violência na capital haitiana estava controlada.
"Não indiferença"
Em artigo, Maria Regina Soares de Lima, do Observatório
Político Sul-Americano, analisa a expansão das atribuições
do CS, impulsionada pelo fim
da bipolaridade EUA-URSS.
Nos primeiros 40 anos da ONU,
foram aprovadas 13 operações
de paz. As demais 50 vieram no
período posterior a 1988.
Os EUA, envolvidos nas próprias guerras, financiam, mas
contribuem hoje com 75 pessoas no total das operações. Para emergentes como Brasil e
Índia, no entanto, integrá-las
passou a ser parâmetro de influência no sistema de segurança coletiva, por sua vez interligada ao debate inconclusivo sobre a ampliação do CS.
Matias Spektor, coordenador
do Centro de Estudos sobre Relações Internacionais da FGV-Rio, lembra que críticos viram
na proliferação das operações a
intenção de criar "neoprotetorados", mas o tema é complexo.
Primeiro, partiu das potências ocidentais a defesa das "intervenções humanitárias". O
conceito evoluiu para a "responsabilidade de proteger".
Por razão óbvia de assimetria
de poder, os demais países resistem à relativização do princípio da não intervenção. Mas,
após o genocídio de 1994 em
Ruanda, os africanos acabaram
forjando o "princípio da não indiferença".
Ele já foi citado pelo governo
Lula para justificar tanto a presença no Haiti como a mediação da crise institucional na
Bolívia, em 2008, e a cooperação com países pobres em áreas
como agricultura e remédios.
"O Brasil tem como mostrar
que há maneiras de promover a
governança em países falidos
ou que passaram por tragédias
sem seguir a lógica do neocolonialismo", afirma Spektor.
Ele ressalta, porém, continuidades na política externa. A
intervenção para evitar golpe
no Paraguai e a adoção da cláusula democrática do Mercosul,
no governo FHC, foram passos,
diz, da mudança "lenta" de
"uma posição apenas soberanista para outra mais flexível".
Embora seja a primeira vez
que comanda uma força de paz,
o Brasil participa dessas operações desde os anos 1950, quando mandou tropas ao Oriente
Médio após o ataque franco-britânico-israelense ao Egito,
que havia nacionalizado o canal
de Suez.
A maior contribuição brasileira até agora fora para as missões em Angola, ao fim da guerra civil. O Brasil quis liderar a
força enviada a Timor Leste
após a independência, em 1999,
mas foi atropelado por restrição orçamentária depois da crise asiática.
A maioria dessas operações
foi de "manutenção da paz", e
não de "imposição da ordem",
como foram, por exemplo, as
na Somália em 1992 e no Haiti
no final de 2003.
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