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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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Erros dos EUA ajudam a recrutar voluntários para lutar por Saddam

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Quando vinha subindo a avenida principal que leva à Universidade Al Mustansyria, onde estuda educação, Ali Adnam, 27, viu um avião soltando uma bomba bem no terreno em frente ao clube dos alunos do campus.
Depois da explosão na tarde do último domingo, que abriu uma cratera no solo, arrancou as janelas e portas da lanchonete local e feriu 29 pessoas que passavam de carro e ônibus na rua em frente, o estudante correu para o local do ataque, ao contrário do resto das pessoas que estavam ali.
Casado há dez dias, Ali tentou ajudar os feridos mais graves a chegarem o quanto antes ao hospital mais próximo.
Voltou para casa, tomou banho, vestiu uma farda militar que guardava dos tempos do serviço obrigatório, lustrou o fuzil Kalashnikov da família e ontem estava montando guarda em frente à universidade. É mais um voluntário a lutar contra os invasores norte-americanos e aliados ao lado das forças de Saddam Hussein. Não está sozinho, segundo o governo.
De acordo com os números divulgados pelo Ministério da Informação, que costuma anabolizá-los, só nas últimas 24 horas pelo menos 140 mil pessoas se alistaram como voluntárias para defender Bagdá da entrada das forças aliadas.
"Estas pessoas estão num lugar que não direi qual é treinando com armas leves que também não direi quais são", disse em tom de blague o ministro Mohammed Said Al-Sahaf na manhã de ontem. Não só.
"Estamos recebendo também voluntários vindos de outros países muçulmanos, principalmente nossos vizinhos da Síria, da Jordânia, do Irã e da Arábia Saudita", afirmou Sahaf. "Cobrem os rostos e não aparecem em fotos porque não querem ser identificados nem punidos por seus governos, mas estão aqui porque acham que esta é uma causa árabe antes de tudo, não só iraquiana."
Antes, o ministro havia dito que o número de voluntários ligados ao partido Baath, governista, poderia chegar a 6 milhões, que se juntariam a mais 5 milhões recrutados na população civil, o que parece uma conta fantasiosa por todos os critérios.
Segundo o vice-premiê iraquiano, Tariq Aziz, que teve seu escritório atingido por mísseis em duas ocasiões diferentes nos últimos dias e falou com a imprensa na noite de ontem, a presença maciça dos voluntários põe por terra a tese do governo norte-americano de que a população local iria apoiar a guerra e que iria aproveitar a chance para se revoltar contra seus líderes. "Não se iluda", disse eles. "Quando chegarem a Bagdá, os soldados invasores encontrarão balas de revólver, não de açúcar."
Pelo menos com um deles Aziz pode contar. É o próprio Ali Adnam, que até anteontem se considerava apolítico. Foi ao ver as pessoas feridas jogadas no chão e parte do campus da faculdade que frequenta destruída que resolveu, literalmente, pegar em armas. O governo de Saddam Hussein nunca provocou revolta parecida nele? "Não", corta, seco.
E sente-se preparado para lutar contra o Exército mais bem equipado do mundo? "Eu não sabia, mas estava me preparando desde a Guerra de 1991", conclui.


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