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Taxista se despede da família e vai à guerra
do enviado especial
Mirko Bozic, 29, despede-se da
família na madrugada de sexta para sábado. Convocado pelo Exército iugoslavo para se apresentar a
um batalhão no subúrbio de Belgrado, não tem idéia de quando terá uma folga. Sua especialidade:
bateria antiaérea. Um dos postos
mais perigosos nesta guerra.
A mulher, Biljana, 30, teve de tomar um calmante. O filho Nicola,
4, não sabe para onde o pai vai. Biljana diz que não contará, mas o garoto está desconfiado.
De manhã, quando ela e Mirko
foram a um quartel para se certificar da convocação, levaram Nicola. Disseram que era um hospital.
"Mas ele estranhou tanta gente
vestida de verde", conta Biljana.
"Estou confuso. Só sei que é minha obrigação. Meu país está sendo atacado e tenho de ir", diz Mirko, motorista de táxi que não tem
preconceito contra kosovares albaneses. Ficou amigo do repórter
da Folha, a quem convidou para
tomar uma cerveja em casa.
Mirko vive com os sogros em um
apartamento em Nova Belgrado,
parte da capital iugoslava que lembra Brasília, com blocos de edifícios iguais e avenidas largas. Seus
cunhados passam aquela noite lá.
Todos procuram criar uma clima
de descontração. Dragan, cunhado
de Mirko, é fanático por futebol e
adora falar do Carnaval brasileiro e
de suas "mulatas".
Normalmente calado, Mirko tenta animar a mulher, normalmente
falante. "Sei que tenho esposa e filho, vou me cuidar", afirmou, bem
alto, para Biljana ouvir. Ela sorri de
maneira triste.
Enquanto Dime Mihajloski, o sogro, fala de ""como era boa a vida na
antiga Iugoslávia", ouve-se o barulho de uma explosão. São 2h06. As
cortinas balançam bruscamente,
devido ao deslocamento de ar. A
TV apaga e volta fora do ar.
Maja, a cunhada, dá um pulo no
sofá. Dime pede calma. Biljana fala
rápida e nervosamente: "Nicola,
Nicola". Mirko e a sogra, Milica,
correm até o quarto, onde o garoto
dorme um sono pesado. Voltam e
tranquilizam a mãe.
Passado o susto, todos vão para a
varanda. Dá para ver uma fumaça
a cerca de 3 km. Foi atingida a RTS
(Rádio e Televisão da Sérvia).
Mirko convida para ir à cobertura do prédio, onde vizinhos passam a noite olhando explosões e o
fogo antiaéreo. "Não fale nada",
pede, para que ninguém saiba que
tem a visita de um estrangeiro.
Pessoas entrevistadas pela Folha já
receberam a visita da polícia.
O céu está limpo e estrelado, noite perfeita para bombardeios.
"Ruim para nós", diz Mirko. Bjliana diz que nunca tinha reparado
em Belgrado. "Só com a guerra
descobri que minha cidade era bonita. Não quero que a destruam."
Passam das 3h, e a visita decidi ir
embora. "Ninguém vai dormir
aqui hoje, fique mais", pede Maja.
No Peugeot 604, ano 82, que, segundo Mirko, só Deus sabe quantos quilômetros rodados tem, avista-se o edifício bombardeado.
Mirko não conta para onde vai.
"É segredo militar, desculpe", diz.
Despede-se, prometendo que desviará das bombas. Uma nova rodada de cerveja já está combinada,
assim que der, depois do fim da
guerra.
(KA)
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