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Situação de refugiados ainda vai piorar e Otan não ajuda, diz ONU
PIERRE HAZAN
do "Libération"
A ajuda aos refugiados de Kosovo é um tema que vem criando rivalidade entre a Otan e a ONU. O
Acnur (Alto Comissariado da
ONU para os Refugiados) critica a
aliança militar ocidental por não
destinar informação e recursos necessários para o atendimento à população de etnia albanesa.
"Não tenho nem capacidade logística, nem uma frota de centenas
de aviões", reclama a diretora (comissária) do Acnur, a japonesa Sadako Ogata.
"O Acnur deve dirigir essa operação humanitária, mas não pode
fazê-lo sem uma contribuição dos
países da Otan." Leia a seguir trechos de sua entrevista.
Pergunta - Segundo a Otan, centenas de milhares de pessoas estariam sendo expulsas de suas casas
em Kosovo. Quais informações a
sra. tem?
Sadako Ogata - Estou extremamente inquieta. Há algumas semanas não há mais presença internacional em Kosovo. As pessoas seguem sendo expulsas de suas casas. Assistimos a um processo de
expulsão em massa posto em prática pelas autoridades sérvias. Por
essa razão -vi habitantes de Pristina que foram colocados em
trens- que falo de deportados.
Ninguém previa que expulsões
dessa magnitude poderiam ser feitas. Até a crise de Kosovo, eu sabia
que minorias, no passado, haviam
sido expulsas de sua terra. Eu nunca tinha ouvido falar, nem podia
imaginar, que populações majoritárias pudessem também ser vítimas de ""limpeza étnica". Essa
""limpeza étnica" deve cessar imediatamente. Se perdurar, o sofrimento das vítimas seguirá, mesmo
se trouxermos toda a ajuda do
mundo.
Pergunta - A sra. acredita que
houve massacres em Kosovo?
Ogata - Estou convencida de que
massacres ocorreram. Racak (vilarejo onde cerca de 40 pessoas foram mortas por forças sérvias em
janeiro) foi só um exemplo.
Pergunta - O que a sra. responde
aos críticos que atacaram o Acnur
por sua falta de velocidade?
Ogata - Nunca encontrei ninguém que pudesse imaginar que
uma catástrofe como essa pudesse
se produzir. Tínhamos planos para
acolher 100 mil pessoas, mas fomos lentos ao colocá-los em prática. Tínhamos de reorientar nosso
pessoal enviado a Kosovo. De fato,
perdemos uma semana. Depois,
não tivemos muita visibilidade na
imprensa, o que contribuiu para o
aumento das críticas.
Pergunta - Quais são suas relações com a Otan, uma organização
militar que deixou de lado a ONU,
da qual a sra. é funcionária?
Ogata - São relações complicadas, mas vou tentar simplificá-las.
Pedi à Otan que compartilhe conosco suas informações sobre populações deslocadas que ela obtém
por meio de sua vigilância aérea.
Mas, até agora, ela se negou a fazê-lo. No fundo, a situação é clara. O
fato de a Otan ser uma das partes
em guerra está separado do fato de
que necessito da ajuda dos países
da aliança atlântica para fazer frente às necessidades. Não tenho nem
milhares de homens, nem capacidade logística, nem uma frota de
centenas de aviões. O Acnur deve
dirigir essa operação humanitária,
mas não pode fazê-lo sem uma
contribuição dos países da Otan,
que têm os meios necessários para
uma operação dessa envergadura.
Pergunta - A sra. receia que, a
longo prazo, os problemas de segurança cheguem aos campos?
Ogata - Não imediatamente. Mas
estamos muito atentos para que os
campos não abriguem combatentes. A Otan nos está passando a
gestão dos campos e, de agora em
diante, contamos também com a
polícia local para dissuadir os círculos mafiosos e criminais de penetrar nesses ambientes.
Pergunta - A polícia da Macedônia não deu provas de pouca compaixão em relação aos refugiados?
Ogata - Ela é, por vezes, brutal.
Pergunta - Onde a sra. estava no
processo de recepção dos refugiados?
Ogata - O governo macedônio foi
extremamente claro sobre o fato
de que não queria abrigar muitos
refugiados. Cabe a ele manter um
equilíbrio étnico, econômico e político muito frágil. Por essa razão,
mais de 15 mil pessoas foram deslocadas para outro países.
Pergunta - O que a sra. acha do
uso de aviões para enviar ajuda
aos deslocados dentro de Kosovo?
Ogata - É uma opção. Os exemplo passados tiveram resultados
fracos. Outra opção seria ir pela estrada, mas isso supõe que haja segurança para os comboios.
Pergunta - Como a sra. vê o futuro dos refugiados?
Ogata - De 100 mil refugiados,
passamos a 350 mil, depois a 650
mil e logo esse número será de 900
mil. Estou preocupada com os alojamentos onde eles estão sendo
abrigados. As tendas não vão resistir ao calor do verão nem aos rigores do inverno. Já devemos pensar
agora no que vem depois.
Pergunta - A situação vai piorar?
Ogata - Temo que sim. Precisamos de campos suplementares.Nossa única escolha é tentar
mobilizar grande quantidade de
recursos. O mais urgente é deter a
""limpeza étnica".
Tradução de Marcelo Starobinas
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