São Paulo, Domingo, 25 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A FAVOR DA OTAN
Um tirano belicoso nos obrigou a intervir

BILL CLINTON


Hoje, nos Bálcãs, forças dos EUA, do Reino Unido e de nossos aliados da Otan se posicionam com firmeza contra a ""limpeza étnica", lutando para pôr fim às atrocidades, salvar vidas e devolver a esperança a Kosovo. E estamos decididos a fortalecer as bases de uma Europa que seja cada vez mais integrada, democrática, próspera e pacífica.
Os aliados reunidos na Otan fizeram todo o possível para conseguir uma solução pacífica em Kosovo. Em lugar disso, Slobodan Milosevic escolheu a violência, intensificando o conflito e avançando em direção à realização de seu objetivo brutal: livrar a região de seus habitantes, de uma vez por todas. Não podíamos ficar de lado, deixando a história relegar os kosovares de origem albanesa ao esquecimento. E tampouco podíamos ignorar o perigo de que o conflito se espalhasse, ateando fogo a tensões étnicas e ameaçando a região.
Hoje, muitos países do Leste Europeu estão tentando transformar em realidade a mesma visão de democracia multiétnica que Milosevic procura enterrar. Sob a égide do comunismo, esses países projetavam uma imagem de estabilidade, mas era uma estabilidade falsa, imposta por governantes cuja resposta às tensões étnicas era suprimir e negá-las. Quando a repressão comunista deixou de existir, as tensões vieram à tona, para ser resolvidas por meio da cooperação ou exploradas pela demagogia. Estamos em Kosovo porque o pior demagogo da Europa mais uma vez passou das palavras iradas à violência inominável.
Dia após dia, a campanha aérea movida por nossas forças aliadas está desmontando a máquina de guerra de Milosevic. Já enfraquecemos suas defesas antiaéreas, seus sistemas de comando e controle, e sua capacidade de produção de combustíveis e munições. Estamos atingindo seus tanques, sua artilharia. Enquanto isso, nosso esforço humanitário está garantindo abrigo e alimentação para os refugiados, restaurando suas forças e sua esperança, em preparação para o dia em que puderem retornar a sua terra em paz. E estamos procurando meios para ajudar os kosovares de origem albanesa encurralados em seu próprio país pelas forças sérvias.
Eles estão passando fome, vivendo ao relento, com medo de retornar a seus vilarejos. Aparentemente, Milosevic quer utilizá-los como reféns ou escudos humanos. Como já disse o primeiro-ministro Blair, Milosevic é responsável pelo bem-estar dessas pessoas -e vamos cobrar dele essa responsabilidade.
Nossa aliança quer pôr fim à crise, ao sofrimento dos kosovares, às provações suportadas por uma população sérvia forçada a envolver-se numa luta por um líder cínico que despreza seu bem-estar, que esconde dela a verdade sobre o que está fazendo em Kosovo.
Milosevic pode pôr fim à crise hoje mesmo. Para isso, basta que retire suas forças de Kosovo, permitindo a presença de uma força internacional de segurança e o retorno incondicional de todos os refugiados, com a segurança e a autonomia às quais eles têm direito.
Mas, se ele não o fizer, nossa campanha vai prosseguir, desequilibrando a balança de poder em detrimento dele, até alcançarmos o êxito. Nosso cronograma será determinado por nossas metas, e não o inverso. Milosevic terá de optar entre se salvar a tempo, evitando perdas maiores, ou perder seu controle sobre Kosovo.
Enquanto persistimos, também traçamos planos para o futuro. Continuo acreditando que a melhor solução para Kosovo é a autonomia, não a independência. Kosovo não possui os recursos e a infra-estrutura necessários para se sair bem por conta própria. Sua independência poderia, pelo contrário, gerar ainda mais instabilidade.
Ademais, não acredito que a solução para o ódio presente nos Bálcãs seja uma balcanização ainda maior. Uma vez que começássemos a redesenhar mapas, seria difícil acabar com as disputas e os deslocamentos de populações. A melhor solução não é a interminável modificação das fronteiras européias seguindo traçados étnicos, e sim a maior integração entre Estados europeus que trabalhassem juntos para fazer da diversidade não uma vendeta sanguinária, e sim uma qualidade positiva.
Em termos realistas, a concretização dessa visão vai exigir uma transição democrática na Sérvia, pois a região não terá segurança com um tirano belicoso.
A tragédia de Kosovo deve e precisa incentivar os esforços dos países da Otan, que deverão prolongar-se por algum tempo, para dar suporte ao aprofundamento da democracia e da tolerância e à integração étnica e religiosa entre as nações do sudeste europeu. Essas nações estão vivendo sob tensão devido ao conflito de Kosovo, à enxurrada de refugiados e ao tumulto instaurado na região.
A meta que nossa aliança tem para o sudeste da Europa é a mesma que tinha para a Europa ocidental após a Segunda Guerra Mundial e para a Europa central após a Guerra Fria: a integração numa comunidade de nações, engajada com a liberdade e os direitos humanos, numa convivência pacífica em uma Europa completa e livre.


Bill Clinton, 52, é presidente dos EUA.

Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Situação de refugiados ainda vai piorar e Otan não ajuda, diz ONU
Próximo Texto: Contra a OTAN: EUA ignoram as ""regras da ordem mundial"
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.