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CONTRA A OTAN
EUA ignoram as ""regras da ordem mundial"
NOAM CHOMSKY
Várias indagações vêm sendo feitas com relação ao bombardeio
promovido pela Otan (o que significa principalmente os EUA) em
conexão com Kosovo. Eu gostaria
de fazer algumas observações gerais, me atendo a fatos que não são
objeto de contestação séria.
Há duas questões fundamentais:
1) Quais são as "regras da ordem
mundial" aceitáveis e aplicáveis?
2) Como estas e outras considerações se aplicam no caso de Kosovo?
A) Quais são as "regras da ordem
mundial" aceitáveis e aplicáveis?
Existe um regime de lei internacional e ordem internacional ao qual
todos os Estados têm a obrigação
moral de se sujeitar, baseado na
Carta e nas resoluções subsequentes da ONU e nas decisões da Corte
Internacional de Justiça.
Para resumir, a ameaça ou o uso
da força é proibido a não ser quando explicitamente autorizado pelo
Conselho de Segurança, depois de
este constatar que os meios pacíficos falharam, ou em autodefesa
contra "ataque armado" (um conceito restrito), enquanto o Conselho de Segurança não toma uma
atitude.
B) Como estas e outras considerações se aplicam no caso de Kosovo?
Nos últimos 12 meses vem ocorrendo em Kosovo uma catástrofe
atribuível quase inteiramente às
forças militares iugoslavas.
Em casos como esses, as forças
externas têm três opções possíveis:
(1) procurar provocar a escalada
da catástrofe, (2) não fazer nada e
(3) tentar mitigar a catástrofe.
As escolhas são ilustradas por
outros casos contemporâneos.
Atenhamo-nos a alguns de escala
aproximadamente igual e indaguemo-nos em que Kosovo se encaixa nesse padrão.
Na Colômbia, segundo estimativas do Departamento de Estado, o
nível anual de mortes políticas
provocadas pelo governo e seus associados paramilitares é mais ou
menos equivalente ao de Kosovo.
Ao longo dos anos 90, à medida
que a violência veio se intensificando, a Colômbia tornou-se o
maior receptor de armas e treinamento norte-americanos no hemisfério ocidental, e essa assistência está aumentando, justificada
pelo pretexto da "guerra às drogas", visto como indigno de crédito por quase todos os observadores
sérios. Neste caso, a reação dos
EUA é a de nº (1): promover a escalada das atrocidades.
No Laos, a cada ano milhares de
pessoas, em sua maioria crianças e
lavradores pobres, são mortos na
planície de Jars, no norte do Laos,
palco, aparentemente, dos bombardeios mais pesados de alvos civis já registrados na história, e, pode-se argumentar, o mais cruel: o
ataque furioso de Washington
contra uma sociedade camponesa
pobre guardou pouca relação com
suas guerras na região.
Neste caso, a reação dos EUA é a
do tipo (2): não fazer nada.
E a reação da mídia e dos comentaristas é manter silêncio, seguindo as normas pelas quais a guerra
contra o Laos foi designada uma
"guerra secreta".
Kosovo constitui outra ilustração de (1): tentar provocar a escalada da violência, com exatamente
essa expectativa.
É muito fácil encontrar exemplos
que ilustrem o ponto (3), pelo menos se nos ativermos à retórica oficial. Os EUA escolheram um caminho que provoca a escalada
-"previsível"- das atrocidades e
da violência.
Um argumento padrão utilizado
é que tínhamos a obrigação de fazer alguma coisa -não podíamos
simplesmente ficar de lado, deixando que as atrocidades continuassem. Isso nunca é verdade.
Uma escolha que sempre existe é a
de obedecer ao princípio hipocrático: "Em primeiro lugar, não faça
mal". Se você não consegue imaginar nenhum meio de obedecer
àquele princípio elementar, então
não faça nada. Sempre haverá
meios que poderão ser considerados. A diplomacia e as negociações
nunca serão esgotadas.
Agora que os pretextos da Guerra Fria perderam sua eficácia, é
provável que o direito de "intervenção humanitária" seja evocado
com frequência cada vez maior nos
próximos anos.
Numa era como essa, talvez seja
o caso de ouvir as opiniões de comentaristas altamente respeitados
-sem falar na Corte Internacional
de Justiça, que tomou uma decisão
explícita sobre esse tema, decisão
essa que foi rejeitada pelos EUA, de
tal modo que nem mesmo seus
pontos essenciais foram divulgados.
Tradução de
Clara Allain
Noam Chomsky, 71, é linguista e ativista político norte-americano
Texto disponível no website www.zmag.org
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