DO "EL PAÍS"

Quando tinha cinco anos, o inglês Peter Stone sonhava um dia acordar metamorfoseado em uma menina. Agora, 31 anos depois, esse sacerdote da Igreja Anglicana de 46 anos, após dois casamentos e com uma filha adolescente, poderá ter seu sonho realizado.
Uma operação e um tratamento hormonal deverão convertê-lo em alguns meses na mulher que ele sempre se sentiu. Mais do que isso: seu bispo e seus fiéis o apóiam na decisão e pensam saudar-lhe como Carol, depois da operação, quando ele modificar seu nome.
A odisséia do reverendo Stone será um marco na história da Igreja Anglicana. Ele será o primeiro religioso na ativa que trocará de sexo. Respaldado por Barry Rogerson, o bispo de sua diocese (Bristol, a oeste de Londres), Stone decidiu apresentar seu caso em público.
Consciente de que suas palavras poderiam incomodar muitos de seus paroquianos, ele fez da humildade e da determinação o seu cartão de visitas. "Ninguém faz isso por prazer ou leviandade. Se eu tivesse outra opção, não estaria aqui falando da minha troca de sexo", disse. "Considerarei-me uma pessoa realizada quando minha mente, meu corpo e meu coração forem um só".
Ordenado em 1978, o reverendo Stone foi capelão e chefe de estudos religiosos no início de sua carreira eclesiástica. Seu primeiro casamento durou sete anos, mas ele nunca se atreveu a discutir suas angústias com a primeira mulher.
Com a segunda, ele dividiu o leito por 13 anos e pôde abrir-se mais sobre seu desejo de assumir que, na verdade, sentia-se uma mulher. Teve também uma filha, que está com 18 anos e ingressará em breve na universidade.
"Minhas duas mulheres sabem agora de meus planos, e eu conto com suas bênçãos. Minha filha também tem se comportado maravilhosamente bem em relação ao assunto. Agora ela deve examinar sua consciência, é melhor deixá-la um pouco em paz", disse à imprensa britânica sensacionalista, em um apelo para que não incomodem a jovem, que precisa se preparar para seus exames finais no colégio.
Enroscada em um profundo debate sobre a possibilidade de permitir aos divorciados um novo matrimônio religioso -e temendo um eventual casamento de seu futuro chefe supremo, o príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica, com Camilla Parker-Bowles-, a Igreja Anglicana acudiu o sacerdote com um autêntico espírito cristão.
"Não vimos obstáculos de ordem ética ou eclesiástica para impedir que o reverendo Stone continue seu trabalho pastoral. Ele se submeteu a dois rigorosos exames psiquiátricos e tem somente um problema de gênero que será resolvido em um determinado momento. Além disso, ele conta com o apoio de seus seguidores", sublinhou o bispo de Bristol, Barry Rogerson, que não deixou de defender o sacerdote em nenhum momento, enquanto ele enfrentava a imprensa britânica.
Informada no domingo passado de que o reverendo Peter seria em pouco tempo uma mulher, a congregação da igreja de São Felipe, em Swindon, deu sua aprovação ao feito por maioria absoluta. Mais de 90% dos fiéis estiveram dispostos a acompanhar-lhe na jornada mais importante de sua vida.
Stone já está começando a tomar hormônios para mudar seu corpo e se submeterá à operação no final do verão europeu (inverno no Brasil). Como esse tipo de transformação é lenta, disse que não usará adereços femininos até que o processo esteja concluído.
"Sem o apoio de pelo menos dois terços da congregação, não teríamos seguido adiante. Compreendo que existem pessoas incapazes de aceitar, mas não perdi um minuto de sono depois de decidir que o que está sendo feito é o mais correto", assegurou o bispo.
"Rogerson é um homem muito compassivo. Sempre apóia seus clérigos. E parece que todos estão felizes, mas a situação é muito triste", disse Malcom Widdecombe, outro religioso da diocese de Bristol.
Irmão da deputada conservadora Ann Widdecombe, sua família tornou-se conhecida quando ela abraçou a religião católica por se opor à ordenação de mulheres para o sacerdócio, permitida recentemente pela Igreja Anglicana.
Para o reverendo Stone, o lamento do irmão de uma das políticas mais proeminentes do país poderia macular sua glória. Mas, de qualquer modo, há um último detalhe dessa história que seguramente não será esquecido pelo reverendo: quando anunciou aos fiéis de São Felipe que se converteria em Carol, foi aplaudido de pé por eles, para que não houvesse dúvida de seu apreço.


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