São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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EUA

Houston, principal cidade do Estado, escapou do impacto direto do furacão; outras sofreram alagamentos e incêndios

Rita causa estragos e curiosidade no Texas

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A HOUSTON

Barulhos estranhos vindo de todas as direções. Uma placa de rua (Texas Street, no centro) entorta com a ação do vento. Um semáforo cai no meio do cruzamento. Estilhaços de vidros de um prédio comercial abandonado acima voam pelo ar como se fosse uma chuva de papel. Diversos transformadores estouram em seqüência a alguns quarteirões de distância, dando a impressão de que a cidade está sendo atacada por bombas ou mísseis.
Fios desencapados se encostam por força do ar deslocado e produzem faíscas no céu escuro completamente fechado por nuvens, criando um efeito de fogos de artifício. E a chuva grossa, incessante. E o vento, de até 60 km/h, que emborracha o rosto em expressões involuntárias, arranca as frases das bocas, gruda as roupas nos corpos e insiste em fazer cada passo parecer tão difícil e desengonçado quanto uma caminhada na Lua.
Assim foi a madrugada do furacão em Houston, no Texas.
Algumas pessoas insistem em ver de perto "como é um furacão", apesar das recomendações oficiais de que nenhum dos que ainda não tivessem abandonado a cidade saísse de casa e do toque de recolher oficial, que ia da 0h às 6h de ontem. São sem-teto que não conseguiram abrigo, apesar de a Cruz Vermelha ter criado durante a noite mais 15 endereços de emergência. São aspirantes a saqueadores esperando a oportunidade perfeita -depois, as autoridades anunciariam que 16 deles foram presos, a maior parte tentando entrar num supermercado da rede Target. São policiais, bombeiros, seguranças particulares e jornalistas.
E são sujeitos decididamente estranhos, como o húngaro que mal conseguia se expressar em inglês mas sabia o suficiente para dizer que se dirigia a Galveston, ao sul da cidade, uma das cidades texanas mais atingidas pelos efeitos do Rita, com sua câmera na mão, porque "nunca tinha visto um furacão de perto e queria fotografar tudo". Chegando lá, informou depois, encontrou surfistas que esperavam pela "onda perfeita", que nunca veio (eram exceções; 95% da cidade foi evacuada).

"Sorte"
"Tivemos sorte", disse o prefeito da cidade, Bill White, no começo da manhã de ontem, na entrevista coletiva dada no Astrodome, agora de novo o centro oficial dos esforços de resgate do Rita. Realmente, um desvio de última hora para o leste fez que o olho do furacão atingisse o continente norte-americano às 3h30 locais de sábado (5h30 de Brasília) pela cidade de Cameron, em Sabine Pass, pouco habitada, do lado da Louisiana na divisa com o Estado de George W. Bush, já na categoria 3.
Assim, Galveston e Houston (2 milhões de habitantes) saíram da rota principal, apesar de terem sido atingidas igualmente. A primeira cidade foi sede do principal incêndio, no bairro histórico de Strand, que destruiu dois prédios centenários e um edifício comercial novo, provavelmente pela queda de um poste de energia. Com o fogo, uma mulher teria sofrido queimaduras de terceiro grau, embora a polícia de Houston não tenha comentado esta informação. Se confirmada, ela terá sido a primeira vítima do furacão.
Ironicamente, um dos prédios foi construído em 1905, cinco anos depois de outro furacão ter atingido a mesma cidade e matado 6.000 pessoas. O fogo também foi o principal problema enfrentado pelas autoridades de Houston. Na madrugada de ontem, em Pasadena, na região metropolitana, uma loja foi destruída, de causas ainda não conhecidas. Diversos pontos da cidade ficaram às escuras, deixando mais de 675 mil pessoas sem energia elétrica.
Saíram Galveston e Houston, mas entraram Beaumont e Port Arthur, cidades industriais, também no Texas, que mais sofreram os efeitos da passagem do furacão, que atingiu terra firme com ondas de 6m, 25 cm de chuva e ventos de até 160 km/h, causando alagamentos.

Janes Joplin
Nas duas cidades texanas, conhecidas por abrigarem refinarias de petróleo e pela fama de uma de suas crias -Beaumont é o berço oficial da era do petróleo nos EUA, com a descoberta do poço de Spindletop, em 1901, Port Arthur é a cidade-natal da cantora Janis Joplin (1943-1970)-, telhados voaram com o vento, pelo menos três incêndios foram registrados e 250 mil pessoas ficaram sem eletricidade. As ruas estavam alagadas, principalmente em Port Arthur, e muitas casas foram destruídas por ação do vento.
Mesmo "poupada", Houston está longe de voltar ao normal. O comércio essencial só deve ser reaberto amanhã, e o recado do prefeito da cidade foi claro. "Vocês que estão fora não voltem para casa ainda", disse Bill White. O comando reunido no Astrodome faria primeiro um balanço da destruição e da situação do combustível antes de anunciar quando o tráfego para volta será liberado, assim como as lojas e o trabalho das empresas.
Autoridades reunidas no estádio estimaram os custos da destruição no Estado em US$ 8,2 bilhões, depois de terem afetado de alguma maneira a vida de 5,2 milhões de texanos em 19 condados (divisão administrativa norte-americana), destruindo 6 mil casas e gerando 26 milhões de toneladas de destroços. Por reunir o maior número de refinarias de petróleo, também, o Estado pode contribuir para que o galão de gasolina chegue a US$ 4, valor não atingido desde a crise de 1971. Hoje em dia, os valores variam entre US$ 2,50 e US$ 3.
No começo da manhã, Max Mayfield, diretor do centro do furacão no Astrodome, disse que as áreas de Houston e Galveston "deram sorte". Rita foi um dos três piores furacões a atingir o Texas na história do Estado, é verdade, mas os estragos têm sido menores do que o esperado. O motivo? "Preparação", disse o funcionário federal. Ou os caprichos da natureza, de acordo com os meteorologistas.


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