São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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ARTIGO

Caso reflete esquizofrenia continental

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Fragmentação da personalidade e perda de contato com a realidade são características do comportamento esquizofrênico, segundo definição de dicionário. A descrição é perfeita para parte dos militares latino-americanos, com destaque para muitos brasileiros, quando o assunto são as relações com os EUA e suas Forças Armadas muito mais poderosas.
O receio de uma maior presença dos americanos no Paraguai é o exemplo mais recente dessa atitude, cuja manifestação clássica contemporânea no Brasil é a idéia que de que os "gringos" conspiram para tomar a Amazônia.
Essa atitude vai de soldados a generais, felizmente nem todos, e afeta mesmo o pequeno grupo de especialistas universitários em temas militares, além de grupelhos de discussão na internet.
Se por um lado há muitos exemplos de intervenção americana em assuntos internos da região, por outro o atual temor ignora os imperativos estratégicos que norteiam as ações dos EUA hoje.
Basta ver que o Comando Sul do Exército dos EUA -responsável pela América Latina- tem 363 militares e 141 civis (no total, incluindo as outras forças, o Comando Sul conta com cerca de 3 mil membros, entre militares e civis), segundo uma contagem recente. Parte deles colaborou diretamente com tropas brasileiras na transição de comando da força internacional para a força da ONU, sob comando do Brasil, no Haiti, em 2004.
Como comparação, há em torno de 120 mil soldados dos EUA hoje no Iraque.
Os novos mitos criados também colocam de lado coisas óbvias -como a própria razão de ser da existência de uma base militar de um país em território de outro.

Bases no exterior
Um país tem uma base em outro país por uma simples questão geográfica: essa base serve de trampolim para atingir eventuais inimigos na região. Para intervir no Afeganistão e no Iraque, os EUA usaram bases no Paquistão e no Kuwait, por exemplo.
Para defender a Europa Ocidental de um ataque comunista, os EUA mantiveram algumas unidades com maior poder de fogo na Alemanha e em países próximos. Boa parte ainda está lá. O mesmo raciocínio vale hoje para as unidades na Coréia do Sul, parte da defesa deste país contra a Coréia do Norte comunista.
Qual o interesse estratégico dos EUA no Paraguai para manter bases ali? No máximo, se quer vigiar a Tríplice Fronteira e seus vínculos hipotéticos com o terrorismo islâmico. Para isso não é preciso ter tanques ou helicópteros de ataque ou caças. Meia dúzia de agentes resolve a coisa.
Os EUA hoje estão em processo não de ampliação, mas de redução de bases no exterior.

Ajuda do "inimigo"
Os militares são, por força de sua profissão, nacionalistas; são pagos para defender territórios nacionais. Os EUA foram aliados do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Tiveram bases aéreas e navais no território brasileiro. Mas uma crise precoce surgiu quando os americanos quiseram desembarcar fuzileiros navais para proteger as bases. Os militares brasileiros, corretamente, impediram a pretensão descabida.
Hoje os militares brasileiros, e também os dos países vizinhos, fazem rotineiramente exercícios com forças dos EUA, especialmente navais. Uma empresa dos EUA, a Raytheon, ganhou a concorrência para o estratégico programa Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Se os EUA quisessem invadir a região, seria loucura rematada pedir ao "inimigo" para colaborar na sua proteção.
Outros países latino-americanos são menos sensíveis. Basta ver que boa parte dos Exércitos da região usa uniforme camuflado idêntico ao dos "gringos". Não é o caso do Brasil.


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