São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RUGIDO PARAGUAIO

Assessor de Lula critica possível presença dos EUA, mas diz que é preciso fazer mais pelo Paraguai no Mercosul

Militarização é "péssima idéia", diz Garcia

CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo brasileiro prefere que os problemas de segurança da América do Sul sejam resolvidos internamente, sem interferências externas, disseram o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e o chanceler Celso Amorim. "Acho péssima a idéia de militarização da América do Sul, porque sabemos como começam esses processos, mas não como terminam", disse Garcia à Folha, referindo-se não apenas ao Paraguai, mas a toda a região.
Ele disse que o governo estuda formas de reduzir as insatisfações dos parceiros menores do Mercosul, mas admitiu que é preciso fazer mais para manter a coesão do bloco. "Sem dúvida teremos de ficar mais atentos a essas coisas, sobretudo se achamos que o Mercosul é um instrumento fundamental da construção da Comunidade Sul Americana. Política externa exige manutenção."
Para Garcia, a permanência do Paraguai no Mercosul é uma questão estratégica tanto para o vizinho quanto para o Brasil, e a discussão sobre a possível instalação de uma base militar americana no Paraguai em troca de um acordo comercial foi encerrada por Amorim, que procurou a chanceler paraguaia, Leila Rachid, para esclarecer o caso.
"Eu acho que eles [os paraguaios] têm todo o direito de reivindicar uma discussão mais consistente, e temos de fazer essa discussão. Temos de contribuir para o processo de diversificação da economia paraguaia e podemos fazer isso estimulando investimentos da iniciativa privada ou com crédito do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. São esses dois instrumentos públicos que temos", afirmou.
Sobre o fato de o vice-presidente paraguaio, Luis Castiglione, ter sugerido, na semana passada, que os EUA instalassem uma base militar no país em troca de um acordo comercial, Garcia disse que "Castiglione é uma autoridade do governo paraguaio e tem o direito de manifestar suas opiniões". "O Brasil não faria isso [oferecer o país como base militar] porque não acho que isso ajude na defesa da região e acrescentaria um elemento externo que não tem se revelado positivo para enfrentamentos de conflitos", afirmou.
"Por que temos de acrescentar esse elemento em uma região que sempre teve a capacidade de resolver os seus problemas pela via política, mesmo tendo contra si esse tremendo problema social que temos na região?", questionou o assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na semana passada, Amorim já havia dito que a defesa da região é um assunto que deve ser tratado internamente. "A questão da segurança e da defesa na América do Sul, creio que quanto mais for observada dentro da América do Sul, melhor será para nós", disse Amorim à imprensa quando participava da Assembléia Geral das Nações Unidas.
Ele também pediu transparência nas negociações entre o Paraguai e os EUA. Dois dias depois o ministro pediu explicações à chanceler Rachid, ainda em Nova York, que negou a existência de uma base militar americana no Paraguai ou que o país estava considerando deixar o Mercosul.
"Acho que o Paraguai lucra mais estrategicamente estando no Mercosul do que fazendo tratados de livre comércio que, de certa maneira, congelam as possibilidade de evolução de uma economia, que vão ocupar um nicho mínimo, ao passo que o Mercosul tem uma agenda de integração econômica e política", afirmou.

Economia dependente
Boa parte da economia do Paraguai é baseada na informalidade, e o país quer compensações dos sócios maiores do Mercosul, Brasil e Argentina, para desbaratar o esquema de contrabando e aumentar a proporção dos negócios formais, o que facilitaria o comércio com o país. No ano passado, o BNDES aprovou financiamentos de US$ 300 milhões para a construção da segunda Ponte da Amizade, que liga os dois países, e outras obras.
Na avaliação de diplomatas brasileiros, manifestações periódicas de insatisfação do Paraguai com o Mercosul são formas que o país encontra de pressionar os sócios maiores a fazer concessões. A situação econômica e social do país não melhorou com a entrada no Mercosul. A renda per capita do Paraguai caiu de US$ 1.500 em 1997 para US$ 960 em 2004.
Segundo esses diplomatas, a sociedade com o Paraguai tem um caráter mais político do que econômico. Para o Itamaraty, a cláusula democrática do Mercosul constrange golpes militares no país, que, assim como outros países da região, possui um ambiente político instável. É do interesse do governo brasileiro manter a estabilidade na região para evitar ingerências externas ou o afastamento de investimentos.
Outra preocupação do governo, que reforça a necessidade de manter o vizinho sob a órbita de influência do Brasil, é a extensa fronteira com o país e os 500 mil brasileiros que moram no Paraguai, além da divisão da hidrelétrica de Itaipu. Sem portos e indústrias, o Paraguai, por sua vez, precisa do Mercosul para garantir mercado para seus produtos, crédito e uma representação mais robusta em foros internacionais.


Texto Anterior: Artigo: Caso reflete esquizofrenia continental
Próximo Texto: Para EUA, meta não é ter força, mas influência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.