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"Ataque turco ao Iraque é meta do PKK"
Para analista político, grupo separatista quer acirrar nacionalismo curdo na Turquia e pôr Ancara e Washington em rota de colisão
Ian Lesser vê em invasão
dilema para governo dos
EUA, aliado da Turquia na
Otan; especialista espera
ação maior, mas não guerra
Safin Hamed/France Presse
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Forças curdas iraquianas oficiais guardam a fronteira com a Turquia, alvo de ataques aéreos |
LUCIANA COELHO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO
Se converter em ação a autorização do Parlamento em Ancara para invadir o Iraque, a
Turquia pode estar mordendo a
isca do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão).
Para Ian Lesser, autor de
"Beyond Suspicion - Rethinking US-Turkish Relations"
(além da suspeita, repensando
as relações entre os EUA e a
Turquia), o que os guerrilheiros
curdos pretendem ao agir a
partir do Iraque é atrair o Exército turco para o confronto. Isso colocaria as forças turcas em
oposição às americanas e transformaria o conflito com o grupo, aos olhos alheios, em um
conflito com todo o povo curdo,
elevando as tensões internas.
Lesser, especialista em Turquia e Otan no German Marshall Fund, em Washington,
acredita que as atuais operações devem crescer, embora
uma guerra seja improvável.
Eis trechos da entrevista.
FOLHA - O sr. acredita que a Turquia vai invadir o Iraque?
IAN LESSER - Ela chegou a um
ponto em que é impossível não
fazer nada. No fim dos anos 90
o Exército chegou a cruzar a
fronteira com uma força considerável, e nos últimos anos a
Turquia tem mantido a presença na fronteira. Não acho que
eles vão lançar uma grande
operação terrestre, pelos altos
custos e poucas vantagens operacionais. Mas eu me surpreenderia se eles decidissem não fazer nada, nem um ataque aéreo,
uma ação localizada.
FOLHA - Então haverá ações mais
duras do que as atuais?
LESSER - Sim. As questões são
quando e o que, e a até que ponto eles conseguirão coordenar
isso com os EUA.
FOLHA - O que mudou agora desde
outubro de 2003, quando o Parlamento turco também deu aval para
a ação militar, mas não chegou a haver invasão?
LESSER - A questão é o que mudou em relação ao meio dos
anos 90, quando a Turquia estava cruzando a fronteira de
forma muito ostensiva. A diferença agora está na presença
direta do poder americano no
Iraque. Não se trata mais só de
uma luta contra o PKK, mas de
um potencial confronto com
forças curdas em geral no norte
do Iraque. É isso o que muitos
analistas nos EUA e na Turquia
acham que o PKK está tentando provocar.
FOLHA - Se a Turquia lançar uma
operação de larga escala, será difícil
para os EUA escolherem um lado...
LESSER - É um dilema para os
EUA e também a razão da frustração turca, pois eles consideram o PKK terrorista -assim
como a União Européia- e são
membros da Otan, e esse é seu
maior problema de segurança.
O governo americano tem sido
muito relutante, pois [com a invasão] pode haver mais complicações de segurança no Iraque.
FOLHA - Qual será a escolha?
LESSER - O governo dos EUA
age como se tentasse garantir
todos os lados. Mas acho ser
mais provável que a Turquia
decida executar um ou dois ataques militares e que os EUA, relutantemente, a apóiem.
FOLHA - Com retórica.
LESSER - O apoio retórico é
muito importante. De apoio
operacional provavelmente os
militares turcos nem precisam.
O que eles precisam é do apoio
político americano.
FOLHA - O sr. acha que é possível
para o Iraque ter algum papel nisso?
LESSER - O governo de Bagdá
não é muito relevante. Afinal, o
norte tem um governo curdo
autônomo há uma década. Talvez eles também não estejam
muito confortáveis com a presença do PKK, mas não querem
combater outros curdos. Não
creio que a Turquia esteja realmente esperando uma ação dos
curdos no Iraque.
FOLHA - Uma ação militar turca poderia ser vista pela União Européia
como repressão aos curdos e usada
contra a adesão deles ao bloco?
LESSER - Há esse risco, pois,
embora muitos países vejam o
PKK como uma organização
terrorista, se a Turquia usar seu
poder no norte do Iraque será
difícil fazê-lo de forma discriminatória. Há risco de muitas
mortes, o que não cai bem para
a Europa -mesmo que a UE
saiba que isso pode ser legítimo. Com certeza iria complicar
a candidatura turca à UE.
FOLHA - O governo turco sofre críticas por suas ligações com o islamismo. Isso o torna mais vulnerável a
pressões dos militares?
LESSER - Claro que isso os torna
mais sensíveis, mas, por outro
lado, a violência do PKK teve o
efeito de unir facções diferentes da política turca em torno
da segurança e do nacionalismo. Há hoje menos atritos entre as facções turcas do que há
alguns meses, pois estão todos
focados no PKK.
FOLHA - O sr. acredita que uma solução política seja possível?
LESSER - Sim, mas é muito difícil, e não seria uma solução política somente em relação ao
PKK, mas em relação ao problema dentro da Turquia ou para toda a questão do nacionalismo curdo na região.
FOLHA - Como os curdos que não
apóiam o PKK reagiriam a uma ação
mais drástica?
LESSER - A situação é delicada
há anos, e um conflito com forças curdas (não só com o PKK)
pode repercutir entre os curdos
na Turquia. A maioria não se
interessa por um Estado curdo,
mas tem senso de identidade.
Se a situação não for contida, há
risco de haver terrorismo urbano e conflito entre as comunidades turca e curda.
FOLHA - A votação no Congresso
dos EUA sobre o genocídio armênio
pelos turcos pesa sobre a retórica de
Ancara?
LESSER - Não há relação direta,
mas ela acirrou o nacionalismo
e a sensação de isolamento na
Turquia, algo como "ninguém
está nos ajudando e então vamos resolver nós mesmos".
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