São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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"Ataque turco ao Iraque é meta do PKK"

Para analista político, grupo separatista quer acirrar nacionalismo curdo na Turquia e pôr Ancara e Washington em rota de colisão

Ian Lesser vê em invasão dilema para governo dos EUA, aliado da Turquia na Otan; especialista espera ação maior, mas não guerra

Safin Hamed/France Presse
Forças curdas iraquianas oficiais guardam a fronteira com a Turquia, alvo de ataques aéreos


LUCIANA COELHO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO

Se converter em ação a autorização do Parlamento em Ancara para invadir o Iraque, a Turquia pode estar mordendo a isca do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão).
Para Ian Lesser, autor de "Beyond Suspicion - Rethinking US-Turkish Relations" (além da suspeita, repensando as relações entre os EUA e a Turquia), o que os guerrilheiros curdos pretendem ao agir a partir do Iraque é atrair o Exército turco para o confronto. Isso colocaria as forças turcas em oposição às americanas e transformaria o conflito com o grupo, aos olhos alheios, em um conflito com todo o povo curdo, elevando as tensões internas.
Lesser, especialista em Turquia e Otan no German Marshall Fund, em Washington, acredita que as atuais operações devem crescer, embora uma guerra seja improvável. Eis trechos da entrevista.

 

FOLHA - O sr. acredita que a Turquia vai invadir o Iraque?
IAN LESSER
- Ela chegou a um ponto em que é impossível não fazer nada. No fim dos anos 90 o Exército chegou a cruzar a fronteira com uma força considerável, e nos últimos anos a Turquia tem mantido a presença na fronteira. Não acho que eles vão lançar uma grande operação terrestre, pelos altos custos e poucas vantagens operacionais. Mas eu me surpreenderia se eles decidissem não fazer nada, nem um ataque aéreo, uma ação localizada.

FOLHA - Então haverá ações mais duras do que as atuais?
LESSER
- Sim. As questões são quando e o que, e a até que ponto eles conseguirão coordenar isso com os EUA.

FOLHA - O que mudou agora desde outubro de 2003, quando o Parlamento turco também deu aval para a ação militar, mas não chegou a haver invasão?
LESSER
- A questão é o que mudou em relação ao meio dos anos 90, quando a Turquia estava cruzando a fronteira de forma muito ostensiva. A diferença agora está na presença direta do poder americano no Iraque. Não se trata mais só de uma luta contra o PKK, mas de um potencial confronto com forças curdas em geral no norte do Iraque. É isso o que muitos analistas nos EUA e na Turquia acham que o PKK está tentando provocar.

FOLHA - Se a Turquia lançar uma operação de larga escala, será difícil para os EUA escolherem um lado...
LESSER
- É um dilema para os EUA e também a razão da frustração turca, pois eles consideram o PKK terrorista -assim como a União Européia- e são membros da Otan, e esse é seu maior problema de segurança. O governo americano tem sido muito relutante, pois [com a invasão] pode haver mais complicações de segurança no Iraque.

FOLHA - Qual será a escolha?
LESSER
- O governo dos EUA age como se tentasse garantir todos os lados. Mas acho ser mais provável que a Turquia decida executar um ou dois ataques militares e que os EUA, relutantemente, a apóiem.

FOLHA - Com retórica.
LESSER
- O apoio retórico é muito importante. De apoio operacional provavelmente os militares turcos nem precisam. O que eles precisam é do apoio político americano.

FOLHA - O sr. acha que é possível para o Iraque ter algum papel nisso?
LESSER
- O governo de Bagdá não é muito relevante. Afinal, o norte tem um governo curdo autônomo há uma década. Talvez eles também não estejam muito confortáveis com a presença do PKK, mas não querem combater outros curdos. Não creio que a Turquia esteja realmente esperando uma ação dos curdos no Iraque.

FOLHA - Uma ação militar turca poderia ser vista pela União Européia como repressão aos curdos e usada contra a adesão deles ao bloco?
LESSER
- Há esse risco, pois, embora muitos países vejam o PKK como uma organização terrorista, se a Turquia usar seu poder no norte do Iraque será difícil fazê-lo de forma discriminatória. Há risco de muitas mortes, o que não cai bem para a Europa -mesmo que a UE saiba que isso pode ser legítimo. Com certeza iria complicar a candidatura turca à UE.

FOLHA - O governo turco sofre críticas por suas ligações com o islamismo. Isso o torna mais vulnerável a pressões dos militares?
LESSER
- Claro que isso os torna mais sensíveis, mas, por outro lado, a violência do PKK teve o efeito de unir facções diferentes da política turca em torno da segurança e do nacionalismo. Há hoje menos atritos entre as facções turcas do que há alguns meses, pois estão todos focados no PKK.

FOLHA - O sr. acredita que uma solução política seja possível?
LESSER
- Sim, mas é muito difícil, e não seria uma solução política somente em relação ao PKK, mas em relação ao problema dentro da Turquia ou para toda a questão do nacionalismo curdo na região.

FOLHA - Como os curdos que não apóiam o PKK reagiriam a uma ação mais drástica?
LESSER
- A situação é delicada há anos, e um conflito com forças curdas (não só com o PKK) pode repercutir entre os curdos na Turquia. A maioria não se interessa por um Estado curdo, mas tem senso de identidade. Se a situação não for contida, há risco de haver terrorismo urbano e conflito entre as comunidades turca e curda.

FOLHA - A votação no Congresso dos EUA sobre o genocídio armênio pelos turcos pesa sobre a retórica de Ancara?
LESSER
- Não há relação direta, mas ela acirrou o nacionalismo e a sensação de isolamento na Turquia, algo como "ninguém está nos ajudando e então vamos resolver nós mesmos".


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