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ANÁLISE
Os EUA querem marginalizar a França
PATRICK JARREAU
DO "LE MONDE", EM WASHINGTON
Embora neguem oficialmente a
constatação, Paris e Washington
se enfrentam hoje em vários campos que vão além de sua disputa
sobre o multilateralismo -que
precedeu a Guerra do Iraque. E os
EUA buscam reduzir a influência
de um país aliado visto como
muito difícil, talvez hostil.
Desde a queda do regime de
Saddam Hussein, em abril, os dirigentes dos dois países anunciaram diversas vezes que sua disputa acerca da invasão do Iraque tinha sido superada. Porém essas
declarações foram contraditas
por afirmações ásperas, por um
comportamento pouco amistoso,
por atitudes de desconfiança e por
atos velados de enfrentamento.
Os dirigentes americanos querem vingar-se dos países que a
eles se opuseram durante a crise
iraquiana? "A resposta é não",
disse anteontem um funcionário
do Departamento de Estado dos
EUA. "A aliança transatlântica é
um pilar da política externa americana. A França e a Alemanha fazem parte dessa aliança. Não atacamos pessoas de quem precisamos", acrescentou.
Ao ouvir as palavras dos diplomatas franceses e americanos, as
pessoas poderiam pensar que não
aconteceu nada entre os dois países neste ano e que, nos últimos
dias, não houve nada que justificasse o aumento da tensão entre
ambos os Estados. Em 15 de dezembro, dois dias depois da captura de Saddam, George W. Bush
até fez comentários positivos sobre a França e a Alemanha: "Faz
parte de nossos interesses nacionais trabalhar lado a lado".
No dia seguinte, em Paris, James Baker, ex-secretário de Estado e enviado especial de Bush para cuidar da dívida iraquiana, teve
um encontro com o presidente
francês, Jacques Chirac, que classificou de "bastante frutífero", enquanto Catherine Colonna, porta-voz da Presidência francesa,
ressaltava a importância de "trabalhar lado a lado em prol da reconstrução iraquiana".
A França foi descartada das discussões com a Líbia, comandadas
pelos EUA e pelo Reino Unido,
que resultaram no anúncio, em 19
de dezembro último, de que o ditador líbio, o coronel Muammar
Gaddafi, tinha concordado em
abrir mão de suas armas não-convencionais? Do lado americano,
diz-se que não se tratava de uma
questão "multilateral". Do lado
francês, diz-se que as negociações
tiveram início porque Trípoli
queria pôr fim à disputa gerada
pelo atentado a um avião ocorrido sobre Lockerbie, na Escócia
(Reino Unido), em 1988.
Gaddafi buscava obter o levantamento das sanções da ONU
contra seu país e das sanções impostas pelos EUA contra a Líbia.
Além disso, o ditador líbio queria
que Washington deixasse de classificar seu país de "protetor de terroristas". Seus interlocutores,
nesse caso, só poderiam estar em
Londres e em Washington.
Os diplomatas fazem seu trabalho, que, na fase atual, consiste em
aparar as arestas da disputa. Eles
não negam, porém, que a tendência não é das melhores. A oposição de Chirac a Bush se deu sobre
a questão que é considerada a
mais importante pelo presidente
americano -o Iraque.
O Departamento de Estado tem
um modo muito diplomático de
tratar a situação, dizendo que a
crise iraquiana foi "uma oportunidade para reforçar a aliança
transatlântica" e que essa oportunidade "foi perdida" pela França e
pela Alemanha.
Walter Russel Mead, especialista em política externa americana
do Council on Foreign Relations
(EUA), é bem mais claro: "Os
franceses eram vistos como aliados difíceis. Mas o país se transformou num opositor ativo". Um
deputado francês ressalta que o
ex-presidente francês Charles de
Gaulle expunha suas diferenças
aos americanos, mas "nunca buscava levá-las ao Conselho de Segurança, onde os EUA poderiam
ser atacados por outros países".
Cálculo frio
Paradoxalmente, Mead atribui a
atitude dos EUA a um cálculo frio,
não à emoção. "Não é o ódio que
os faz agir desse modo, mas um
cálculo político frio. Como a
França se opõe aos EUA, é necessário atenuar a influência dos
franceses", analisa.
O tom oficial busca, portanto,
mostrar calma. Mas, quando há
uma questão em que a influência
da França está em jogo, o governo
americano opta pela opção que
tende a reduzir a influência de Paris. A recente viagem do secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, à África e o apoio de Washington aos países europeus contrários à França e à Alemanha se
inserem nessa lógica. E, de acordo
com Mead, os EUA deverão opor-se aos candidatos franceses a postos importantes em organizações
internacionais.
Quando a política dos EUA sobre a reconstrução do Iraque foi
posta em xeque, a posição francesa foi reavaliada por observadores
e especialistas americanos. Mas,
desde a prisão de Saddam, as análises sombrias de Paris perderam
importância e, para os americanos, passaram a ser consideradas
atitudes antiamericanas.
A questão que ocupa os analistas atualmente é saber se, atacando a França, os EUA visam atingir
uma Europa "emancipada demais". Para os franceses, a atitude
americana é uma prova da "vontade de hegemonia" dos EUA.
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