São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

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Crescimento de Lagos ameaça "bairro brasileiro" criado por escravos libertos

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LAGOS

"Esta é minha terra, este é o meu povo, já posso morrer em paz". A frase, proferida por um eufórico advogado baiano ao por os pés no aeroporto de Lagos, embutia uma triste profecia. Menos de 12 horas após realizar o sonho de conhecer a terra de seus ancestrais, Claudionor Ramiro Peixoto, 65, morreria dormindo no hotel.
O falecimento do advogado e militante do movimento negro, que nem chegou a participar do encontro mundial de sua igreja evangélica, a Cristo para Todas as Nações, é o único incidente de que se recorda o cônsul-geral-adjunto do Brasil na Nigéria, Cesário de Alexandria.
Testemunha de outras provas da forte ligação entre o país africano e o Brasil, foi por meio de um nigeriano que se considera baiano, chief Paul Lola Bambose Martins, 80, descendente de escravos, que o conselheiro do Itamaraty conheceu mais profundamente a história do Brazilian Quarter, o conjunto de ruas que abriga casarões de arquitetura tipicamente brasileira, no centro comercial de Lagos.
Hoje em grande parte abandonados ou transformados em casas compartilhadas por várias famílias, eram originalmente residências de nigerianos alforriados que voltaram do Brasil, muitos antes mesmo da abolição da escravidão, em 1888. Treinados em ofícios e experientes no lidar com a corte portuguesa, enriqueceram ao se tornarem empresários em uma Nigéria ainda tribal.
Os Rocha, por exemplo, encontraram uma fonte em seu terreno e se tornaram prósperos distribuidores de água potável. A "Casa da Água" ainda resiste. Mas a mais imponente do quarteirão é a que pertence à família do escravo retornado João Fernandes, tombada.
A Embaixada do Brasil, após visita de um técnico do Iphan que comprovou em laudo o valor histórico e arquitetônico do imóvel, sugeriu ao governo brasileiro sua transformação em um Centro Cultural. Mas a obra foi orçada em US$ 600 mil, valor considerado acima das possibilidades pelo Itamaraty.
"É uma lástima", afirma Alexandria, "pois a área está sendo totalmente reformada e muitos prédios já estão sendo demolidos". "A história da presença brasileira pode desaparecer."
Lanre Dosunmu, administradora de empresas formada pela Universidade de Brasília, de família de escravos brasileiros retornados, nasceu no quarteirão e é pessimista. "Dói ver como o crescimento brutal de Lagos destruiu um bairro familiar e tranqüilo em menos de três décadas", diz. (BR)


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