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Crescimento de Lagos ameaça "bairro brasileiro" criado por escravos libertos
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LAGOS
"Esta é minha terra, este é o
meu povo, já posso morrer em
paz". A frase, proferida por um
eufórico advogado baiano ao
por os pés no aeroporto de Lagos, embutia uma triste profecia. Menos de 12 horas após
realizar o sonho de conhecer a
terra de seus ancestrais, Claudionor Ramiro Peixoto, 65,
morreria dormindo no hotel.
O falecimento do advogado e
militante do movimento negro,
que nem chegou a participar do
encontro mundial de sua igreja
evangélica, a Cristo para Todas
as Nações, é o único incidente
de que se recorda o cônsul-geral-adjunto do Brasil na Nigéria, Cesário de Alexandria.
Testemunha de outras provas da forte ligação entre o país
africano e o Brasil, foi por meio
de um nigeriano que se considera baiano, chief Paul Lola
Bambose Martins, 80, descendente de escravos, que o conselheiro do Itamaraty conheceu
mais profundamente a história
do Brazilian Quarter, o conjunto de ruas que abriga casarões
de arquitetura tipicamente
brasileira, no centro comercial
de Lagos.
Hoje em grande parte abandonados ou transformados em
casas compartilhadas por várias famílias, eram originalmente residências de nigerianos alforriados que voltaram
do Brasil, muitos antes mesmo
da abolição da escravidão, em
1888. Treinados em ofícios e
experientes no lidar com a corte portuguesa, enriqueceram
ao se tornarem empresários em
uma Nigéria ainda tribal.
Os Rocha, por exemplo, encontraram uma fonte em seu
terreno e se tornaram prósperos distribuidores de água potável. A "Casa da Água" ainda
resiste. Mas a mais imponente
do quarteirão é a que pertence à
família do escravo retornado
João Fernandes, tombada.
A Embaixada do Brasil, após
visita de um técnico do Iphan
que comprovou em laudo o valor histórico e arquitetônico do
imóvel, sugeriu ao governo brasileiro sua transformação em
um Centro Cultural. Mas a obra
foi orçada em US$ 600 mil, valor considerado acima das possibilidades pelo Itamaraty.
"É uma lástima", afirma Alexandria, "pois a área está sendo
totalmente reformada e muitos
prédios já estão sendo demolidos". "A história da presença
brasileira pode desaparecer."
Lanre Dosunmu, administradora de empresas formada
pela Universidade de Brasília,
de família de escravos brasileiros retornados, nasceu no
quarteirão e é pessimista. "Dói
ver como o crescimento brutal
de Lagos destruiu um bairro familiar e tranqüilo em menos de
três décadas", diz.
(BR)
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