São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 2008

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Discurso de Cristina inflama greve

Presidente diz que protestos de agropecuários são "piquetes da abundância" e que não negociará sob extorsão

Manifestantes bloquearam 300 pontos de rodovias argentinas; mercados de Buenos Aires já enfrentam desabastecimento de carne

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

A presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, afirmou ontem que não se submeterá "a nenhuma extorsão", sinalizando que não negociará com os produtores agropecuários do país, há duas semanas em greve, enquanto eles não interromperem os bloqueios de estradas.
A greve, que além dos bloqueios inclui a suspensão da venda de produtos agrícolas e de carne, é uma reação à decisão do governo, anunciada no dia 11, de aumentar os tributos cobrados pelas exportações de grãos, as chamadas retenções agrícolas, uma das principais fontes de divisas do país. É a primeira grande paralisação enfrentada por Cristina.
Depois de quase duas semanas de silêncio, a presidente afirmou ontem que os protestos são o sinal de uma transformação importante no país, que passou "dos piquetes da miséria e da tragédia aos piquetes da abundância, realizados pelo setor de maior rentabilidade dos últimos anos".
"Não vou me submeter a nenhuma extorsão", disse Cristina, reforçando a posição do governo de não negociar com os produtores enquanto a greve não terminar. Chamando os protestos de "comédia", Cristina afirmou que as exportações "seguem de vento em popa" e que os prejudicados com a greve são os argentinos.
Um representante da Sociedade Rural da Província de Entre Ríos disse que as palavras de Cristina eram "a faísca que faltava para acender o incêndio".
Após o discurso, os protestos chegaram à cidade. Em vários bairros de Buenos Aires, incluindo a Recoleta, um dos mais nobres, centenas de pessoas foram às janelas e começaram a bater em panelas.

Desabastecimento
A população já sente os efeitos da greve. Faltam carne, frango e laticínios em açougues e pequenos mercados chineses, responsáveis por 70% da carne consumida em Buenos Aires, onde os preços dos produtos aumentaram nos últimos dias.
Nas grandes redes de supermercados, faltam os cortes de carne mais populares. Os produtores afirmam que nos próximos dias haverá escassez de frutas e vegetais.
As quatro principais entidades agrícolas do país também reafirmaram a postura de não ceder "na falta de uma resposta positiva do governo". As entidades, que reúnem dezenas de milhares de produtores e que organizam o protesto, decidiram ontem manter a paralisação por tempo indeterminado.
Com 11 dias de protesto, os produtores teriam perdido cerca de 300 milhões de pesos (US$ 95 milhões), segundo reportagem do jornal "Clarín".
Os produtores agrícolas mantêm cerca de 300 bloqueios em diferentes pontos de estradas do país e provocaram quilômetros de congestionamento na volta do feriado prolongado de Páscoa. Caminhões que transportam produtos agrícolas são impedidos de seguir caminho. Houve tensão entre produtores agrícolas e caminhoneiros -cujo sindicato é uma das principais bases de apoio do governo- que queriam ultrapassar o bloqueio e exigiam que as estradas fossem liberadas.
Em um dos bloqueios, na cidade de Paraná, a gendarmeria (polícia de fronteiras) reprimiu o protesto de cerca de 600 produtores com cães e gás lacrimogêneo. Segundo os produtores, alguns dos manifestantes ficaram feridos e outros foram temporariamente detidos.
A restrição às exportações pode afetar outros países como o Brasil, um dos principais importadores dos grãos argentinos. A limitação imposta pelo governo na venda de trigo já é motivo de contenda entre os dois países.


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