São Paulo, terça-feira, 26 de maio de 2009

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ANÁLISE

País quer negociar com bomba na mão

DAVID PILLING
DO "FINANCIAL TIMES"

Não importa que opinião se tenha sobre Kim Jong-il, é preciso reconhecer que ele tem um grande senso de oportunidade. O primeiro teste de um dispositivo nuclear feito por seu regime, em outubro de 2006, coincidiu com a chegada ao território sul-coreano de Shinzo Abe, um crítico linha-dura de Pyongyang e então premiê do Japão. Abe imediatamente apelou por sanções mais severas da ONU contra os norte-coreanos. Mas passadas poucas semanas foram adotados planos para reconduzir a liderança norte-coreana à mesa de negociações e oferecer novos incentivos ao regime para que revertesse suas ambições nucleares.
Desta vez, as informações de que a Coreia do Norte testou uma segunda bomba surgiram no momento em que a Coreia do Sul está abalada por uma crise interna, o suicídio de Roh Moo-hyun, presidente até o ano passado. Roh defendia a chamada "política luz do sol", de aproximação diplomática com o Norte. Seu sucessor, Lee Myung-bak, adotou linha muito mais dura. A discussão sobre qual das duas estratégias é correta continua a varrer a Coreia do Sul, e o suicídio de Roh só alimentará a polêmica.
O que a Coreia do Sul vier a fazer talvez não importe. No sol ou na chuva, a Coreia do Norte parece disposta a levar adiante o seu programa nuclear sem considerar as consequências. O teste de ontem pode ter sido concebido para provar que as capacidades de Pyongyang avançaram desde a explosão de 2006, classificada por analistas militares como um relativo fracasso. É cedo para determinar se isso é verdade.
O mais provável é que a Coreia do Norte tenha jogado seu chocalho nuclear do carrinho em um esforço para atrair a atenção de Barack Obama. O americano atribuiu a Pyongyang uma posição bastante baixa em uma lista de prioridades dominada pelos esforços de reanimar a economia interna e enfrentar as ameaças terroristas que fervilham no Afeganistão e no Paquistão. Os EUA assumiram a posição de que conversarão com Pyongyang quando chegar a hora, sem pressa.
Existe apenas uma coisa pior do que ser objeto da conversa alheia -é não ser objeto da conversa alheia. Kim ficou devidamente ressentido. De abril para cá, seu regime disparou um míssil de longo alcance que tem capacidade de atingir o Alasca e reiniciou seu programa de enriquecimento de plutônio. Agora, testou uma bomba nuclear.
A atenção de Obama foi claramente conquistada, e ele divulgou comunicado condenando a Coreia do Norte por seu "temerário desafio à comunidade internacional".
A nota mencionava também o fato de que a Coreia do Norte não conquistaria "aceitação internacional" a não ser que abandonasse seu programa nuclear. Mas a possibilidade preocupante é a de que Pyongyang nem se importe com isso. A sensação crescente em Seul é a de que a Coreia do Norte possa estar tentando uma corrida decisiva para atravessar a linha de chegada nuclear.
Até os últimos meses, a suposição generalizada era a de que Kim usava a ameaça nuclear como instrumento de troca para pressionar por diversas concessões: alimentos, petróleo, dinheiro e negociações bilaterais com Washington. Agora alguns importantes dirigentes especulam que a Coreia do Norte possa ter chegado à conclusão de que a melhor ficha em uma negociação é uma bomba nuclear funcional, instalada na ogiva de um míssil. Isso certamente mereceria a completa atenção de Obama.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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