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MITO ARGENTINO
Para ensaísta, primeira-dama, morta há 50 anos, é símbolo do passado e foi abandonada pelo peronismo
Evita é ícone de país que não existe mais
JOÃO SANDRINI
DE BUENOS AIRES
GUSTAVO CHACRA
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
Exatos 50 anos após sua morte,
Eva Duarte de Perón, ou simplesmente Evita -a primeira-dama
argentina que se tornou praticamente uma santa para os "descamisados" argentinos de outra
época-, perdeu importância
ideológica dentro do Partido Justicialista (peronista) por ser o ícone de uma Argentina que já não
existe mais.
A avaliação é da ensaísta e professora de literatura da Universidade de Buenos Aires Beatriz Sarlo, que já escreveu livros sobre diversas personalidades argentinas
-como os escritores Jorge Luis
Borges e Julio Cortázar- e agora
elegeu Evita como tema central de
seu próximo livro, "Paixão e Decepção".
Em entrevista à Folha, Sarlo disse que a Argentina é hoje um país
"em crise permanente", decadente, sem a importância do Brasil e
do México no contexto geopolítico latino-americano e abandonado pelos Estados Unidos e pelos
organismos financeiros internacionais, ao contrário do que acontecia nas décadas de 40 e 50.
"Nossos problemas não se resolvem mais com o assistencialismo de Evita. Apesar do PJ [partido mais importante do país há
cinco décadas" ainda possuir os
conteúdos assistencialistas e populistas que o caracterizam desde
o nascimento, os desafios do presente não podem mais ser resolvidos com a ideologia da primeira-dama", diz.
País rico
Em meados do século passado a
Argentina era um país rico governado pelo autoritário coronel
Juan Domingo Perón (1946-1955). Na visão da escritora, Evita
"conseguiu nesse contexto dar
uma cara mais humana" ao peronismo ao lutar pelo investimento
em programas sociais, pela maior
distribuição de renda e pelo direito ao voto das mulheres.
Para Sarlo, no entanto, o coronel Perón "era a cabeça dessa sociedade política". "Evita foi usada
por Perón. Ela era o toque estético
e emocional de um governo autoritário. É certo que sem ela não
haveria o peronismo e que seu papel foi positivo para o governo e
para população", diz ela. "Mas
também é verdade que o direito
ao voto só foi concedido para as
mulheres por Perón por se tratar
de algo eleitoralmente interessante", afirma.
A escritora também atribui o
mito de santa, que simboliza o peronismo e até hoje existe em torno da personalidade de Evita, por
motivos que vão além da política
de defesa da população pobre e de
discursos revolucionários, como
sua beleza e seu final trágico -ela
morreu de câncer aos 33 anos,
após uma longa agonia pública.
"Evita virou um mito político
dentro do sindicalismo peronista,
talvez não um mito verdadeiro,
mas um mito extremamente poderoso", diz.
Sarlo afirma ainda que a presença da primeira-dama dentro da
ideologia do peronismo cresceu
até meados da década de 70,
quando começou a desaparecer
do imaginário popular.
"Na Argentina e no exterior,
Evita ainda é cultuada pelo cinema, pelo filme homônimo em que
é representada por Madonna [dirigido por Alan Parker, em 1996".
Mas agora ela já não faz mais parte da cultura popular e representa
muito pouco para argentinos pobres de menos de 40 anos", afirma
a professora.
Segundo ela, a Argentina de hoje tem ícones mais pitorescos, como o tango ou o futebol. "Nosso
maior ícone no exterior é [o ex-jogador de futebol" Maradona",
afirma.
A escritora atribui todas essas
mudanças à própria decadência
do país, que, para ela, deve se
acentuar nas próximas décadas.
"A Argentina nunca mais será o
que foi. O panorama é ruim. Não
teremos uma distribuição de renda nem ao menos um pouco igualitária nas próximas décadas. A
sociedade está fragmentada. Não
duvido que o próximo presidente,
que será eleito pelo voto da população, dure menos de três meses
no poder."
Muitas Evitas
Já a sobrinha de Evita, Cristina
Alvarez Rodriguez, disse à Folha
que a Argentina precisa exatamente da ideologia da primeira-dama para se recuperar.
"Evita teve um trabalho social
único e idôneo que transformou a
realidade de milhões de argentinos. Precisamos agora de muitas
Evitas para reverter essa crise",
afirmou Cristina, que também
preside a Fundação Evita Perón.
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