São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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Votação na Venezuela evoca a do Brasil

Belicosidade do governo e acanhamento da oposição são elementos em comum nas eleições dos dois países

Semelhança, porém, é mais de forma do que de conteúdo; ambiente difere nos "decibéis" e no trato com a mídia

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

Quem sai do ambiente eleitoral no Brasil e desembarca no da Venezuela nota, sem muito esforço, uma forte coincidência: a belicosidade do governo e o acanhamento da oposição, colocada na defensiva.
Entre o desejo de Luiz Inácio Lula da Silva de extirpar o DEM e a retórica de Hugo Chávez contra a oposição, há uma diferença apenas de decibéis, embora grande.
Disse Chávez na quinta-feira: "Vamos dar uma surra nos esquálidos "vendepátria", sem vergonhas, corruptos subordinados ao império ianque". "Esquálidos" não é para tomar no sentido literal, mas uma designação depreciativa de Chávez contra todos os que não são chavistas.
Os "esquálidos" reagem timidamente, não como Jorge Bornhausen, o presidente de honra do DEM, que insinuou que Lula estava bêbado, mas como os tucanos, que hesitam em criticar Lula.
Armando Briquet, da direção nacional do Primero Justicia, do conglomerado oposicionista, disse ao jornal "El Mundo" uma frase que soa como o "pode mais", o primeiro mote dos tucanos:
"Não queremos voltar ao passado. Não só reconhecemos que há uma Venezuela diferente, que mudou para sempre, mas também que crescemos nesta Venezuela. O que queremos é melhorar."
Do lado governista, há, como no Brasil, uma profusão de cânticos aos feitos (supostos ou reais) do governo Chávez. Já no saguão do aeroporto, um punhado de painéis que anunciam desde 99% de crianças levadas ao ensino médio até o crescimento de 132% na produção de milho.
Mas os painéis acabam sendo, também, a evidência de que as semelhanças Chávez/Lula, Brasil/Venezuela, são muitíssimo mais de forma do que de conteúdo. Eles atribuem os feitos anunciados a "vivir en socialismo".
No Brasil, "socialismo" entrou em desuso no léxico e na prática do PT desde que assumiu o governo faz oito anos.
Segunda diferença de conteúdo: Lula esbraveja contra a mídia, mas não tomou nenhuma medida concreta para cerceá-la, ao passo que Chávez não renovou a licença da RCTV, canal de maior audiência.
E sitia o dono da Globovisión, outro canal oposicionista, mas mais equilibrado que a TV pública venezuelana: pelas contas do Conselho Nacional Eleitoral, a estatal VTV dedicou aos governistas 90% de seu espaço informativo, ao passo que a Globovisión distribuiu-o em 58% para a oposição e 39% para o governo.

DIFERENÇA DE PROJETOS
A diferença mais importante entre os dois processos está dada pelos projetos em jogo em cada um dos dois países. No Brasil, todos os principais candidatos se dispõem a fazer mais, mas a manter o eixo central, composto por estabilidade macroeconômica, programas de transferência de renda, investimentos em infraestrutura. Nada revolucionário.
Na Venezuela, a oposição pretende ter uma presença na Assembleia Nacional suficiente para barrar o que chamam de transformação do país em uma "VeneCuba".
Já o governo quer dar a surra na oposição porque "a presença dela na Assembleia Nacional dificulta a construção do socialismo", como diz o sociólogo espanhol Juan Carlos Monedero, que acompanha de perto e com fervor a evolução do chavismo.
Agora que Cuba está desestatizando setores da economia, a oposição passa a ter maior razão ainda em falar de "VeneCuba": Monedero rejeita a plena estatização da economia venezuelana e calcula em 50% a fatia que deve ficar com o setor privado.
Se é assim mesmo, ainda há socialismo a construir: cálculos do ano passado indicam que 58% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção de um país) é gerado pelo setor privado, para 42% do estatal.


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