São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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Jovens tchetchenos querem vingança

NATALIE NOUGAYRÈDE
DO "LE MONDE", NA TCHETCHÊNIA

Os combatentes tchetchenos saíram da floresta e entraram no vilarejo em grupos. Eles se esgueiraram entre os quintais das casas e se posicionaram ao lado da estrada, com fuzis Kalashnikov, lança-granadas e metralhadoras. Ao raiar do dia, os moradores, temendo enfrentamentos, fugiram.
A cena aconteceu no final de agosto num povoado a sudoeste de Grozni. Ela ilustra o recrudescimento dos confrontos nos últimos meses na Tchetchênia. Blindados russos que tentaram se aproximar tiveram de recuar.
"No fim do dia, os "boeviki" [combatentes] se retiraram para as montanhas, depois de terem controlado o povoado durante o dia todo", contou um morador. "Eles fizeram uma demonstração de força. Seu comandante disse que eles estavam obedecendo a ordens de Aslan Maskhadov [o presidente da autoproclamada Tchetchênia independente]."
Em três anos de guerra, as forças russas ainda não conseguiram derrotar os combatentes independentistas. No início do conflito atual, Vladimir Putin, então primeiro-ministro, declarou que o cenário da primeira guerra (1994-1996) -quando o impasse militar e as perdas russas levaram a um processo de negociação e à retirada das tropas da república- não iria se repetir.
Os generais prometiam uma guerra curta. Mas, até agora, as forças russas não prenderam nenhum dos chefes da guerrilha. Esta, alguns meses atrás, mandou avisar que está unificada sob o comando de Maskhadov.
Muitos jovens tchetchenos manifestam seu desejo de vingança. A população está dividida entre os jovens radicais para os quais a escolha é entre a liberdade ou a morte, e uma geração mais velha, que se recorda da era soviética e acha que a sobrevivência do povo tchetcheno exige o fim das operações de guerrilha.
No dia seguinte à incursão dos combatentes independentistas em Gekhi Tchu, os soldados russos fizeram uma "limpeza" na vila e levaram embora vários homens.
Um tanque russo avançou sobre uma parte do cemitério, destruindo os túmulos dos "shahid", o termo usado pelos jovens tchetchenos para designar os "mártires" mortos no jihad.
A guerrilha tchetchena compra a maior parte de suas armas das tropas russas, que as contrabandeiam. Ela é composta por pequenas unidades que se misturam à população. Alguns combatentes chegam ao ponto de integrar as milícias pró-russas, para atuar como "fachada"; outros se unem aos grupos escondidos nas montanhas. "Como essa guerra vai terminar, eu não sei", disse um jovem simpatizante dos rebeldes. "A Rússia se embala na ilusão de que nós, tchetchenos, vamos aceitar nos submeter a ela e viver sob sua égide, ao mesmo tempo em que ela nos massacra."


Tradução de Clara Allain



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