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Argentino desbrava região à base de soja
"Rei" em seu país, Gustavo Grobocopatel virou moeda de troca na relação Kirchner-Chávez e agora investe no Brasil
Empresário desistiu de
negócios na Venezuela por
burocracia; na Colômbia, foi
convidado a instalar-se pelo
próprio presidente Uribe
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
Depois de virar "rei" na Argentina, Gustavo Grobocopatel
foi levado pela mão do então
presidente Néstor Kirchner a
atuar na Venezuela. Não resistiu à burocracia local e começou a espalhar suas sementes
pela Colômbia. Mas não sem
antes realizar o sonho de alcançar as terras brasileiras.
Na Argentina, Grobocopatel,
47, é chamado de o "rei da soja",
maior produtor do país e pioneiro de um movimento de modernização e produtividade
agrícola que aos poucos pretende semear pela América do Sul.
O principal objeto de trabalho do grupo Los Grobo é a soja,
veículo da retomada econômica argentina nos últimos anos e
que fez crescer o olho grande
dos países vizinhos.
De seu país foi levado como
um rei Midas pelo ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) à Venezuela como parte
do pacote de troca de comida
(argentina) por petróleo (venezuelano).
Sua missão era "exportar conhecimentos a um povo irmão", o que na prática significava ensinar os venezuelanos a
plantar soja usando máquinas
argentinas.
Não deu certo. Depois de
pouco mais de um ano e 5.000
hectares de soja plantados,
Grobocopatel deixou a terra
prometida do presidente Hugo
Chávez devido à burocracia.
O problema é que o plano
quase perfeito caiu nas mãos da
empresa petroleira estatal
PDVSA, que de soja pouco sabia. "Na Venezuela, a produção
agrícola se desarticulou nos últimos 50 anos, vítima do avanço da cultura petroleira. O governo armou filiais da PDVSA
para a produção em distintos
segmentos da economia para
criar concorrência com monopólios privados. Mas eles não
tinham experiência", afirma
Grobocopatel.
"A dinâmica de uma empresa
agrícola não é a mesma de uma
petroleira. Exige tomada de decisões rápidas. Se não mudassem a estrutura organizacional,
não podíamos ajudá-los", explica ele à Folha, em uma visita
rápida à sede de sua empresa,
em Buenos Aires. Seu escritório é no campo.
O rei da soja é cuidadoso ao
falar sobre suas relações com o
poder. Na Colômbia, foi o próprio presidente Álvaro Uribe
quem o chamou para conhecer
a árida região dos Llanos
Orientales e avaliar a possibilidade de a soja crescer ali.
Grobocopatel sobrevoou o
território junto com o mandatário colombiano. Imprensa e
analistas locais viram imediatamente na movimentação de
Uribe um esforço para criar
uma alternativa rentável às
plantações de coca em seu país.
Grobocopatel, no entanto,
não quer nem comentar a possibilidade aventada pela mídia
colombiana. Para ele, o motivo
do pedido de Uribe é muito
mais simples. "Acredito que tenha mais a ver com a questão
de abastecer-se de alimentos.
Há até poucos meses, essa era a
grande preocupação mundial."
Anjo ou demônio
Há poucos meses também,
Grobocopatel passou de rei a
demônio durante o conflito entre o governo de Cristina
Kirchner e o setor agropecuário na Argentina, causado pelo
aumento de impostos sobre as
exportações de grãos, principalmente a soja, principal produto de exportação argentina.
A única coisa que os dois lados -campo e governo- tinham em comum era demonizar os chamados "pools de
plantio", grupos que investem
em terras alheias para produzir
em grande escala, acusados de
concentrar terras, com os quais
o empresário é identificado.
"Grobocopatel, em um instante, passou de ser campeão a
luzir como demônio. Por obra
da necessidade de alguns de viver semeando ódios, pregando
a luta de classes", definiu em
artigo Emilio Cárdenas, ex-embaixador da Argentina na Organização das Nações Unidas.
Afastado da disputa, Grobocopatel não se diz herói nem vilão. Acredita apenas que, na
raiz do conflito do campo, está
um grave problema da sociedade argentina. "O debate se deu
nas estradas e nas praças, em
vez de acontecer nos lugares
adequados para uma discussão.
Os locautes mostram o fracasso
de uma sociedade em dialogar."
Brasil
No meio de tanta confusão, o
argentino encontrou um refúgio em terra estrangeira, o Brasil. Vê o país, onde atua com o
fundo de investimentos PCP,
formado por sócios do antigo
banco Pactual, como o maior
potencial para expandir seus
negócios.
E esnoba a recente preocupação local com a propriedade
de terras por estrangeiros.
"Não acredito que estrangeiros
ponham em perigo a soberania
nacional. Se há dinheiro para
investir, isso vai gerar mais lucros para o Brasil."
Ainda assim, o empresário se
declara um "sem-terra"; somente é dono de cerca de 5%
das que gerencia: 120 mil hectares na Argentina, 70 mil no
Uruguai, 40 mil no Brasil e 25
mil no Paraguai.
Diante da preocupação geral
dos países da região com um
freio na economia global e com
a queda no preço dos alimentos, seus produtos de exportação, o empresário sugere que
quem é rei nunca perde a majestade. "Com o tempo, os preços vão voltar a subir. Se não
subirem, não haverá alimentos,
porque as pessoas vão parar de
produzir."
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