São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Argentino desbrava região à base de soja

"Rei" em seu país, Gustavo Grobocopatel virou moeda de troca na relação Kirchner-Chávez e agora investe no Brasil

Empresário desistiu de negócios na Venezuela por burocracia; na Colômbia, foi convidado a instalar-se pelo próprio presidente Uribe


ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Depois de virar "rei" na Argentina, Gustavo Grobocopatel foi levado pela mão do então presidente Néstor Kirchner a atuar na Venezuela. Não resistiu à burocracia local e começou a espalhar suas sementes pela Colômbia. Mas não sem antes realizar o sonho de alcançar as terras brasileiras.
Na Argentina, Grobocopatel, 47, é chamado de o "rei da soja", maior produtor do país e pioneiro de um movimento de modernização e produtividade agrícola que aos poucos pretende semear pela América do Sul.
O principal objeto de trabalho do grupo Los Grobo é a soja, veículo da retomada econômica argentina nos últimos anos e que fez crescer o olho grande dos países vizinhos.
De seu país foi levado como um rei Midas pelo ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) à Venezuela como parte do pacote de troca de comida (argentina) por petróleo (venezuelano).
Sua missão era "exportar conhecimentos a um povo irmão", o que na prática significava ensinar os venezuelanos a plantar soja usando máquinas argentinas.
Não deu certo. Depois de pouco mais de um ano e 5.000 hectares de soja plantados, Grobocopatel deixou a terra prometida do presidente Hugo Chávez devido à burocracia.
O problema é que o plano quase perfeito caiu nas mãos da empresa petroleira estatal PDVSA, que de soja pouco sabia. "Na Venezuela, a produção agrícola se desarticulou nos últimos 50 anos, vítima do avanço da cultura petroleira. O governo armou filiais da PDVSA para a produção em distintos segmentos da economia para criar concorrência com monopólios privados. Mas eles não tinham experiência", afirma Grobocopatel.
"A dinâmica de uma empresa agrícola não é a mesma de uma petroleira. Exige tomada de decisões rápidas. Se não mudassem a estrutura organizacional, não podíamos ajudá-los", explica ele à Folha, em uma visita rápida à sede de sua empresa, em Buenos Aires. Seu escritório é no campo.
O rei da soja é cuidadoso ao falar sobre suas relações com o poder. Na Colômbia, foi o próprio presidente Álvaro Uribe quem o chamou para conhecer a árida região dos Llanos Orientales e avaliar a possibilidade de a soja crescer ali.
Grobocopatel sobrevoou o território junto com o mandatário colombiano. Imprensa e analistas locais viram imediatamente na movimentação de Uribe um esforço para criar uma alternativa rentável às plantações de coca em seu país.
Grobocopatel, no entanto, não quer nem comentar a possibilidade aventada pela mídia colombiana. Para ele, o motivo do pedido de Uribe é muito mais simples. "Acredito que tenha mais a ver com a questão de abastecer-se de alimentos. Há até poucos meses, essa era a grande preocupação mundial."

Anjo ou demônio
Há poucos meses também, Grobocopatel passou de rei a demônio durante o conflito entre o governo de Cristina Kirchner e o setor agropecuário na Argentina, causado pelo aumento de impostos sobre as exportações de grãos, principalmente a soja, principal produto de exportação argentina.
A única coisa que os dois lados -campo e governo- tinham em comum era demonizar os chamados "pools de plantio", grupos que investem em terras alheias para produzir em grande escala, acusados de concentrar terras, com os quais o empresário é identificado.
"Grobocopatel, em um instante, passou de ser campeão a luzir como demônio. Por obra da necessidade de alguns de viver semeando ódios, pregando a luta de classes", definiu em artigo Emilio Cárdenas, ex-embaixador da Argentina na Organização das Nações Unidas.
Afastado da disputa, Grobocopatel não se diz herói nem vilão. Acredita apenas que, na raiz do conflito do campo, está um grave problema da sociedade argentina. "O debate se deu nas estradas e nas praças, em vez de acontecer nos lugares adequados para uma discussão. Os locautes mostram o fracasso de uma sociedade em dialogar."

Brasil
No meio de tanta confusão, o argentino encontrou um refúgio em terra estrangeira, o Brasil. Vê o país, onde atua com o fundo de investimentos PCP, formado por sócios do antigo banco Pactual, como o maior potencial para expandir seus negócios.
E esnoba a recente preocupação local com a propriedade de terras por estrangeiros. "Não acredito que estrangeiros ponham em perigo a soberania nacional. Se há dinheiro para investir, isso vai gerar mais lucros para o Brasil."
Ainda assim, o empresário se declara um "sem-terra"; somente é dono de cerca de 5% das que gerencia: 120 mil hectares na Argentina, 70 mil no Uruguai, 40 mil no Brasil e 25 mil no Paraguai.
Diante da preocupação geral dos países da região com um freio na economia global e com a queda no preço dos alimentos, seus produtos de exportação, o empresário sugere que quem é rei nunca perde a majestade. "Com o tempo, os preços vão voltar a subir. Se não subirem, não haverá alimentos, porque as pessoas vão parar de produzir."


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