São Paulo, quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

'Crise não mudará comportamento da elite'

Para socióloga australiana Raewyn Connell, resposta compartilhada a dificuldades econômicas pode aproximar pessoas

No Brasil para encontro da Anpocs, professora, nascida Robert Connell, comenta a revolta árabe e o papel das mulheres

ELEONORA DE LUCENA

DE SÃO PAULO

A crise mundial deve aumentar os casos de depressão. Mas, se houver determinação em dar respostas compartilhadas, ela pode aproximar as pessoas e trazer boas consequências psicológicas.
A análise é da socióloga Raewyn Connell, 67, que participa hoje de debate no 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em Caxambu (MG).
Australiana, professora da Universidade de Sydney, ela nasceu como Robert Connell, se especializou no estudo de questões de gênero e foi consultora da ONU. Aqui comenta o papel das mulheres na Primavera Árabe.

 

Folha - Qual sua análise sobre os protestos pelo mundo?
Raewyn Connell -
Há diversidade. A juventude liderou as manifestações de rua, com apoio de grupos de oposição e militares. O aspecto mais notável talvez seja o papel das mulheres, apesar de os novos regimes parecerem ser controlados por homens.
No Reino Unido, os protestos foram feitos por jovens trabalhadores homens das regiões mais pobres, furiosos com o governo e a polícia, mas que não tentam mudar o regime. Na Grécia e na Espanha, são jovens, trabalhadores e partidos contra cortes e desemprego, resultado de medidas para proteger bancos estrangeiros principalmente.

A crise fará crescer casos de depressão?
Provavelmente sim, já que mais pessoas perdem renda e terão que enfrentar situações mais duras. Mas tempos econômicos difíceis podem aproximar as pessoas. Depende muito da resposta social para a crise econômica, das comunidades aos sindicatos.
Se houver determinação em compartilhar a resposta, a consequência psicológica pode ser até muito boa. Se a resposta for "cada um por si e o diabo fica com o último", mais pessoas terão que lutar.

A crise trará mudanças de comportamento?
Nos negócios, provavelmente não. A elite corporativa dos EUA já está de volta com seus velhos truques. Parece não ter aprendido nada. Governos são intimidados pelo capital financeiro.
Na classe média, haverá mais cautela em relação à tomada de riscos. Os trabalhadores não têm muito poder. Mas acho que os partidos da classe trabalhadora já reconsideram seus casos de amor com o neoliberalismo.

Xenofobia e preconceito vão crescer?
Nos últimos 15 anos, a xenofobia tem crescido na Austrália, na Europa e nos EUA. Políticos a incitam, principalmente os de direita. É uma estratégia repugnante, construída a partir da mensagem de egoísmo promovida pela ideologia do mercado e também por medo e insegurança despertados pelo capitalismo global fora de controle.

E a situação da mulher?
Está melhorando, mas o poder patriarcal está forte. Os principais executivos das corporações são homens, assim como todos os generais, almirantes, bispos etc. Brasil e Austrália agora têm pela primeira vez mulheres na cabeça do governo. Mas esses governos não são feministas.
Homens controlam a maior parte do poder. Grande número de mulheres é vítima de violência doméstica; todas estão sujeitas a ameaças de estupro e de assédio. Há ainda um longo caminho para a igualdade de gênero.

As revoltas árabes podem mudar esse quadro lá?
O papel das mulheres nas revoltas não parece manter sua importância nos novos governos. Mudanças em relações de gênero são sempre muito lentas. Mas estão acontecendo. Há intenso debate das mulheres do islã sobre a maneira pela qual o Corão apoia a igualdade de gênero.

Por que a sra. decidiu trocar de sexo?
Não é exatamente mudança de sexo, é uma mudança na maneira pela qual você lida com as profundas contradições sobre gênero que já existem na sua vida. Não é uma escolha de estilo de vida, não é glamuroso, não é divertido. É difícil. Mas, com apoio, é possível sobreviver.

FOLHA.com
Leia íntegra da entrevista
folha.com/no996351


Texto Anterior: Sob clima pessimista, Europa busca saída
Próximo Texto: Foco: Apoio de artistas desafina o tom do "Ocupe Wall Street"
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.