São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2002

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AFEGANISTÃO

Novo governo e grupo suíço estudam formas de reconstruir estátuas destruídas pelo Taleban no ano passado

Budas de Bamiyan poderão ser refeitos

MARCELO STAROBINAS
DE LONDRES

O novo governo do Afeganistão começa a esboçar planos para um projeto que promete simbolizar do fim da era Taleban: a reconstrução das estátuas de Buda de Bamiyan, monumento erguido há cerca de 1.500 anos e destruído pelo regime extremista islâmico em março de 2001.
A iniciativa, porém, ainda pode levar algumas décadas para sair do papel. Após mais de dez anos de guerra civil, o país é uma terra arrasada. Fome, doenças, seca, falta de infra-estrutura e a reconciliação de grupos armados de diferentes etnias são as prioridades na agenda de Hamid Karzai, líder do recém-empossado governo provisório.
Num encontro com parlamentares japoneses na semana passada, durante uma conferência de arrecadação de fundos para a reconstrução afegã, Karzai se referiu em tom emocionado aos Budas de Bamiyan. Mas, destacou, "muitas outras necessidades levam precedência".
"A destruição dos Budas foi uma perda com a qual ainda não conseguimos nos reconciliar", declarou Karzai durante o encontro. "É como se você perdesse um membro de sua família todos os dias."

Projeto
Enquanto as autoridades afegãs se concentram na resolução de causas mais urgentes, um grupo com sede na Suíça vem assumindo as rédeas do projeto de reconstituição de um dos Budas. O Instituto e Museu do Afeganistão, entidade amparada pela Unesco (órgão da ONU para fins sociais, culturais e educacionais), já trabalha na primeira etapa do processo: a digitalização de imagens e medidas da estátua.
O protótipo virtual será exibido numa página da internet (www.new7wonders.org), na qual os interessados podem saber mais sobre o projeto e fazer doações. Os organizadores estimam que entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões sejam necessários.
A partir da imagem computadorizada tridimensional, eles planejam construir na Suíça uma réplica de um décimo do tamanho do monumento original (a maior estátua tinha 53 metros de altura, e a menor, 38 metros).
"Primeiro vamos reconstruir um deles. Depois, aprendendo com a experiência do primeiro, partiremos para o segundo", disse à Folha, por telefone, Paul Bucherer, arquiteto especialista em arte e história afegã que dirige o museu situado na pequena cidade de Bubendorf. "Essas estátuas foram originalmente construídas ao longo de um período de 300 anos. Assim, se fizermos devagar, e levarmos 20 anos, já será muito mais rápido."
Ele esteve no Afeganistão no início do mês, onde discutiu com Karzai e com os ministros da Cultura e do Interior os planos para o futuro das estátuas. "Eles acreditam que a reconstrução de pelo menos um dos Budas seja prioridade política absoluta", disse. "Vai ser um símbolo para o povo afegão de que se livraram finalmente da influência do Taleban."

Incentivo ao turismo
Além das motivações nacionalistas do projeto, argumenta Bucherer, os Budas, quando reerguidos, devem trazer milhares de turistas e seus dólares ao país. Apenas cerca de 160 km separam a capital, Cabul, até o local onde ficavam as estátuas (embora, com as atuais condições das estradas, sejam necessárias sete horas de carro para percorrer o trajeto).
A Unesco e o governo afegão pretendem realizar uma conferência de especialistas em maio para determinar os detalhes técnicos e logísticos da reconstrução. Ainda não se sabe, por exemplo, se os Budas serão esculpidos nas mesmas montanhas em que se encontravam. Ou se as novas estátuas terão propositalmente as imperfeições que tinham em razão dos efeitos do tempo.
O antigo governo do Taleban -derrubado em novembro por grupos de oposição beneficiados pela ampla campanha de bombardeios dos EUA em retaliação aos atentados de 11 de setembro- dinamitou as estátuas por julgá-las símbolo de culto pagão, contrário às premissas religiosas do islamismo. O budismo, entretanto, não é praticado no Afeganistão há cerca de mil anos. As estátuas eram patrimônio histórico, um retrato do passado pré-islâmico do país, e não um ponto de peregrinação religiosa.
"Os muçulmanos do Afeganistão dizem que esses Budas são símbolos da grandeza de Deus", diz Bucherer. "Na visão deles, hoje ninguém reza mais para essas estátuas, mas sim para Deus, que é muito maior que as estátuas."


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