São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Libaneses e palestinos fecham feridas

Líderes apostam em novas relações com pedido de perdão 33 anos após início da guerra civil no Líbano

Para analista, aproximação tem importância histórica, mas é ato político; o grande desafio é sair dessa arena e conquistar os militantes

TARIQ SALEH
COLABORAÇÃO PARA FOLHA, DE BEIRUTE

Ghassan Haddad e Ali Zaher são amigos desde os tempos de escola, mas o primeiro é libanês cristão e o último é palestino. Ambos sempre enfrentaram a desconfiança alheia devido ao ressentimento mútuo entre cristãos e palestinos por causa da sangrenta guerra civil libanesa (1975-1990). Mas agora os dois amigos têm esperança.
Um aperto de mãos histórico, há duas semanas, entre o líder do partido libanês Falange Cristã, Amin Gemayel, e o representante da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Beirute, Abbas Zaki, deu por encerrada, formalmente, uma das piores feridas remanescentes da guerra civil.
Gemayel e Zaki escolheram a semana em que o país realizou uma série de eventos para relembrar o início da guerra civil, no dia 13 de abril. No evento, chamado de "Abertura e Reconciliação" e que aconteceu na sede do partido, em Beirute, também estava presente o líder druso Walid Jumblatt.
"Nós, palestinos ,lamentamos profundamente nossos erros antes e durante a guerra civil contra nossos irmãos libaneses", declarou Zaki a 44 importantes políticos cristãos.
Gemayel pediu perdão pelas ações cometidas pelas milícias cristãs durante a guerra e salientou a necessidade de todos respeitarem a soberania do Líbano. Ele também citou o Acordo do Cairo, de 1969, que permitiu às facções palestinas se armarem e usarem o solo libanês para lançarem ataques a Israel, como erro histórico.
No entanto, Gemayel, que já foi presidente do Líbano de 1982 a 1988, disse que lembrar as batalhas e "heroísmos" que ocorreram entre os cristãos e palestinos era, agora, desnecessário, sendo mais importante rever os laços em comum que unem os dois povos. "Os palestinos sãos nossos irmãos, a causa deles é a nossa também."

Desprezo
Segundo Zaki, a mudança de política das lideranças palestinas se deu em 2006, visando melhorar as relações com os líderes libaneses. A aproximação teria começado em 2001, por intermédio de Jumblatt.
A relação entre palestinos e cristãos libaneses sempre foi muito tensa e de desprezo mútuo entre os membros mais radicais de suas comunidades.
Haddad e Zaher contam que muitas vezes foram discriminados por outros amigos e até familiares. "Eu sentia um racismo por alguns de meus parentes quando Ali estava presente. Por anos eu tentei não mesclar o que aconteceu no passado com os palestinos, que sempre foram muito gentis comigo", disse Haddad.
Zaher teve problemas semelhantes. "Muitos me perguntavam como eu podia ser amigo de Ghassan e esquecer o que os cristãos haviam feito na guerra civil com a gente."
A guerra civil libanesa eclodiu no dia 13 de abril de 1975, quando milicianos da Falange Cristã metralharam um ônibus com refugiados palestinos em Beirute. O evento foi o estopim para um conflito civil que já vinha se desenhando devido às divergências políticas entre cristãos e os outros libaneses muçulmanos e drusos.
Durante a guerra, os muçulmanos e drusos se aliaram aos palestinos, e o país mergulhou em um conflito que durou 15 anos e matou mais de 150 mil pessoas. Ambos os lados cometeram atrocidades, como o massacre de mais de 300 cristãos por milícias palestinas e libanesas na cidade de Damour, em 1976, e o massacre de Sabra e Chatila, em que forças cristãs assassinaram mais de mil refugiados palestinos, em 1982.
A guerra levou a um pedido da comunidade internacional para que a Síria interviesse militarmente no Líbano, que só se retirou definitivamente do país em 2005. Israel invadiu o Líbano em 1978 e 1982.
Após o fim da guerra, em 1990, os ressentimentos de lado a lado continuaram.
Segundo o professor Oussama Safa, diretor do Centro Libanês de Estudos Políticos de Beirute, a relação cristã-palestina era umas das mais sensíveis feridas da guerra.
"O pedido de desculpas é um fato histórico, um importante início para cimentar a animosidade que jamais havia se dissipado entre eles", disse.
Mas segundo o professor, o pedido de desculpas vem mais por necessidade política. "Claramente o Fatah [partido palestino do presidente Mahmoud Abbas], que domina a OLP, está alinhado com as forças do governo, do qual fazem parte os Falangistas".
O desafio, de acordo com Safa, será se esta aproximação chegará aos povos, de ambos os lados, ou se ficará restrita apenas à arena política.
E ele destaca uma questão ainda mais importante: "se a aproximação chegará aos militantes de ambos os lados que abandonaram a Falange e a Fatah e foram para partidos mais radicais, que se desprezam".
Para o professor, a Falange virou um partido moderado, pois seus integrantes mais críticos dos palestinos foram para as Forças Libanesas e outros pequenos grupos.


Texto Anterior: Colômbia: Exército acusa Farc de atacar desde Equador
Próximo Texto: Artigo: A encruzilhada democrata
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.