São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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Escândalo influiu na decisão, diz analista

MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO

O escândalo do Riggs Bank, banco americano no qual Augusto Pinochet teria depositado até U$ 8 milhões em contas pessoais secretas, teve influência na decisão da Suprema Corte chilena, que confirmou o fim da imunidade do ex-ditador. A opinião é do historiador americano Peter Kornbluh.
"Para os direitistas no Chile, parece que o fato de ele ter roubado US$ 8 milhões é mais ofensivo do que o assassinato e a tortura de milhares de pessoas [cometidos no regime de Pinochet]", disse Kornbluh em entrevista à Folha.
Autor de "The Pinochet File" (arquivo Pinochet) e especialista em Chile do National Security Archive (Universidade George Washington), Kornbluh liderou uma campanha para tornar públicos documentos americanos sobre o envolvimento do governo dos EUA no golpe que colocou Pinochet no poder, em 1973.
Na sua opinião, "houve tantas atrocidades que não é possível dizer que uma tenha sido pior do que a outra" na trajetória da ditadura chilena.
Kornbluh afirma que o caso deve servir como alerta a ex-ditadores latino-americanos, que podem acabar sendo processados "mesmo que vivam 88 anos, como Pinochet". Leia a seguir a entrevista de Kornbluh à Folha.
 

Folha - A Suprema Corte confirmou o fim da imunidade de Pinochet por 9 votos a 8. Essa margem estreita não é uma prova de que a sociedade chilena ainda está bastante dividida, como na época do golpe de 1973?
Peter Kornbluh -
A Suprema Corte não reflete necessariamente a sociedade chilena. Mas, nas últimas semanas, mesmo os mais antigos seguidores do ex-ditador entre a elite e os militares o abandonaram por causa do escândalo de corrupção do Riggs Bank, que estourou em julho.
Para os direitistas no Chile, parece que o fato de Pinochet ter roubado cerca de US$ 8 milhões é mais ofensivo do que o assassinato e a tortura de milhares de pessoas.
O caso do Riggs Bank revelou que Pinochet tinha depositado esse dinheiro em contas pessoais secretas ao mesmo tempo em que a Suprema Corte o declarava mentalmente incompetente para ser julgado, há quatro anos. Tenho certeza de que isso teve alguma influência na última decisão desse tribunal.

Folha - O sr. acha que um julgamento de Pinochet irá tocar na responsabilidade dos EUA pelo golpe que derrubou Salvador Allende, em 1973?
Kornbluh -
Se Pinochet for julgado -e isso ainda não está certo- , o foco será no seu papel no patrocínio que o Chile deu ao terrorismo internacional e aos crimes da Operação Condor. Pode ser que alguns documentos americanos tenham relevância no processo, mas não creio que a questão do golpe ou do papel americano venha a ter importância central.

Folha - Qual foi, em sua opinião, o pior caso de violação da era Pinochet?
Kornbluh -
Houve tantas atrocidades que não é possível dizer que uma tenha sido pior do que a outra. Os processos contra Pinochet tentam responsabilizá-lo por crimes como a Caravana da Morte [que percorreu o sul do Chile, prendeu e matou 75 sindicalistas e políticos ligados a Allende] e as operações terroristas que sua polícia secreta cometeu fora do Chile, sob o nome código de Operação Condor.

Folha - Esse tipo de decisão judicial pode servir de exemplo para outros países latino-americanos que foram governados por militares no passado?
Kornbluh -
O nome de Augusto Pinochet se tornou sinônimo de crimes contra a humanidade. Se ele for levado a julgamento em Santiago, todos os ex-ditadores devem entender que a Justiça sempre acaba batendo à sua porta, mesmo que eles vivam 88 anos, como Pinochet.


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