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Escândalo influiu na
decisão, diz analista
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
O escândalo do Riggs Bank,
banco americano no qual Augusto Pinochet teria depositado até
U$ 8 milhões em contas pessoais
secretas, teve influência na decisão da Suprema Corte chilena,
que confirmou o fim da imunidade do ex-ditador. A opinião é do
historiador americano Peter
Kornbluh.
"Para os direitistas no Chile, parece que o fato de ele ter roubado
US$ 8 milhões é mais ofensivo do
que o assassinato e a tortura de
milhares de pessoas [cometidos
no regime de Pinochet]", disse
Kornbluh em entrevista à Folha.
Autor de "The Pinochet File"
(arquivo Pinochet) e especialista
em Chile do National Security Archive (Universidade George Washington), Kornbluh liderou uma
campanha para tornar públicos
documentos americanos sobre o
envolvimento do governo dos
EUA no golpe que colocou Pinochet no poder, em 1973.
Na sua opinião, "houve tantas
atrocidades que não é possível dizer que uma tenha sido pior do
que a outra" na trajetória da ditadura chilena.
Kornbluh afirma que o caso deve servir como alerta a ex-ditadores latino-americanos, que podem acabar sendo processados
"mesmo que vivam 88 anos, como Pinochet". Leia a seguir a entrevista de Kornbluh à Folha.
Folha - A Suprema Corte confirmou o fim da imunidade de Pinochet por 9 votos a 8. Essa margem
estreita não é uma prova de que a
sociedade chilena ainda está bastante dividida, como na época do
golpe de 1973?
Peter Kornbluh - A Suprema
Corte não reflete necessariamente
a sociedade chilena. Mas, nas últimas semanas, mesmo os mais antigos seguidores do ex-ditador entre a elite e os militares o abandonaram por causa do escândalo de
corrupção do Riggs Bank, que estourou em julho.
Para os direitistas no Chile, parece que o fato de Pinochet ter
roubado cerca de US$ 8 milhões é
mais ofensivo do que o assassinato e a tortura de milhares de pessoas.
O caso do Riggs Bank revelou
que Pinochet tinha depositado esse dinheiro em contas pessoais secretas ao mesmo tempo em que a
Suprema Corte o declarava mentalmente incompetente para ser
julgado, há quatro anos. Tenho
certeza de que isso teve alguma
influência na última decisão desse
tribunal.
Folha - O sr. acha que um julgamento de Pinochet irá tocar na responsabilidade dos EUA pelo golpe
que derrubou Salvador Allende,
em 1973?
Kornbluh - Se Pinochet for julgado -e isso ainda não está certo-
, o foco será no seu papel no patrocínio que o Chile deu ao terrorismo internacional e aos crimes
da Operação Condor. Pode ser
que alguns documentos americanos tenham relevância no processo, mas não creio que a questão
do golpe ou do papel americano
venha a ter importância central.
Folha - Qual foi, em sua opinião, o
pior caso de violação da era Pinochet?
Kornbluh - Houve tantas atrocidades que não é possível dizer que
uma tenha sido pior do que a outra. Os processos contra Pinochet
tentam responsabilizá-lo por crimes como a Caravana da Morte
[que percorreu o sul do Chile,
prendeu e matou 75 sindicalistas e
políticos ligados a Allende] e as
operações terroristas que sua polícia secreta cometeu fora do Chile, sob o nome código de Operação Condor.
Folha - Esse tipo de decisão judicial pode servir de exemplo para
outros países latino-americanos
que foram governados por militares no passado?
Kornbluh - O nome de Augusto
Pinochet se tornou sinônimo de
crimes contra a humanidade. Se
ele for levado a julgamento em
Santiago, todos os ex-ditadores
devem entender que a Justiça
sempre acaba batendo à sua porta, mesmo que eles vivam 88 anos,
como Pinochet.
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