|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
O esgotamento dos "tanques" de idéias conservadoras
Obra de Karl Zinsmeister, novo assessor da Casa Branca, exemplifica desgaste de linha de pensamento que, cultivada por 30 anos, não resiste mais à realidade
THOMAS FRANK
DO "NEW YORK TIMES"
Em seus momentos mais
grandiloqüentes, os porta-vozes dos conservadores dirão
que a ascendência que os republicanos vêm exercendo há décadas sobre o governo dos Estados Unidos é uma realização intelectual, que o Partido Republicano triunfa por ser "o partido das idéias". E, de fato, ao longo das três últimas décadas surgiram institutos e fundações de
inclinação conservadora que
acabaram por se transformar
em uma poderosa instituição
quase acadêmica, com orçamentos milionários e falanges
de "pesquisadores seniores" e
de "distintos catedráticos".
Enquanto os acadêmicos de
verdade se preocupam com
questões espinhosas como certeza e equanimidade, os estudiosos que trabalham para o
American Enterprise Institute,
a Heritage Foundation e o Cato
Institute agem com ousadia,
por saberem, como afirma um
influente texto conservador,
que as idéias têm conseqüências. Felizmente, as conseqüências só afetam os outros.
E eis que agora salta ao cenário nacional um certo Karl
Zinsmeister, ex-editor da revista oficial do American Enterprise Institute e atualmente
principal assessor do presidente para questões de política doméstica. Nos círculos da direita, ele é encarado como um peso pesado intelectual. Mas o
que sua carreira realmente nos
mostra é a exaustão cada vez
mais próxima do sistema intelectual conservador; seu apego
desesperançado a clichês poeirentos e cambaleantes; e uma
cegueira tão persistente e tão
bizarra diante das realidades
do conservadorismo no poder
que seria possível classificá-la
como um caso de deliberada
ilusão pessoal, ou, no caso de
Zinsmeister, como alucinação.
"Elites"
Comecemos pela infame declaração de Zinsmeister segundo a qual as pessoas de Washington são "seres humanos
moralmente repulsivos, trapaceiros e indignos de confiança",
uma alegação que ele posteriormente esclareceu afirmando que se referia apenas "à classe privilegiada" da cidade. Haveria justificativa para ler suas
palavras como óbvia referência
aos lobbies, aos pesquisadores
parciais em sua visão e aos congressistas sempre interessados
em arrecadar doações de campanha que formam a máquina
do Partido Republicano.
Mas basta ler de passagem o
conjunto da obra jornalística
de Zinsmeister para descobrir
que só os liberais, com parcas
exceções, são capazes de repugnância, instabilidade e participação em elites privilegiadas.
Essa última qualidade é um
ponto que Zinsmeister enfatiza
vigorosamente em seus escritos. Ao longo dos anos, os editorais dele retornam vezes sem
conta às "elites" e seus nefandos hábitos: "Elites educacionais", "elites da costa leste" e
"elite dos professores/advogados/jornalistas/ativistas", todas elas fora de sintonia com o
bom povo dos EUA.
Vejam, eu defendo vigorosamente a crítica às elites, começando pelo antigo empregador
de Zinsmeister, o American
Enterprise Institute, há muito
a voz mais confiável do dinheiro das grandes empresas. Os dirigentes do instituto na prática
comandaram a campanha presidencial de Barry Goldwater,
em 1964, e foram os seus profundos pensadores que, depois
de encontrarem espaço no governo Bush, sonharam a guerra
no Iraque. Hoje, as fileiras da
organização representam uma
lista abrangente do poderio
conservador em Washington.
Seria possível alegar que o
instituto é uma lição viva sobre
a capacidade de distorcer o debate que as elites e as classes
superiores ostentam. Mas isso
implicaria que temos classes
sociais e, como Zinsmeister escreveu um dia, a idéia de que
"existem classes distintas nos
EUA é dúbia".
Então, por que Zinsmeister
desperdiçou tanta tinta em
seus ataques às elites e às atividades delas? É aí que entra o
mágico conceito do mercado, a
fonte do poder das grandes empresas e de tudo mais que existe
de sagrado. O funcionamento
do livre mercado "é democracia", escreve Zinsmeister, "com
pluralidades de agentes econômicos exercendo seu direito de
voto". A democracia em si, no
entanto, caso tome a forma de
um Estado dotado de poder regulatório, "é monarquismo,
pois permite que um punhado
de pessoas na corte dite normas às massas".
Se vocês forem capazes de
engolir essa idéia, começa a fazer sentido o fato de que os liberais formam uma elite, o fato de
que a economia de exploração
da mão-de-obra instalada nas
ilhas Marianas existe por vontade de um povo humilde que
deseja escapar às garras de um
governo central opressivo (argumento que a revista de Zinsmeister defendeu em 1997), e o
fato de que o editor da revista
de um instituto de pesquisa
muito bem dotado de verbas
tem todo o direito de aconselhar às vítimas de deslocamento econômico que parem de se
queixar.
Mas engolir dose exagerada
dessas idéias pode fazer com o
todo-poderoso mercado comece a dissolver o senso moral dos
leitores. Talvez até seja possível
que você reduza o Todo-Poderoso a um slogan publicitário.
Em uma edição de 2003, a revista de Zinsmeister tinha por
manchete as palavras "Com
Deus as coisas vão melhor",
reaproveitando um slogan da
Coca-Cola de maneira a permitir que o Rei dos Reis ocupasse
momentaneamente o trono da
Marca entre as Marcas. Um escritor melhor poderia ter proposto "eu gostaria de comprar
um Deus para o mundo", mas
Zinsmeister talvez possa oferecer esse lema ao novo patrão.
Thomas Frank é autor de "What's the Matter
with Kansas? How Conservatives Won the
Heart of America"
Texto Anterior: Nš de imigrantes explode e provoca reação de britânicos Próximo Texto: "Conde" tira campanha venezuelana do sério Índice
|