São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011

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OPINIÃO

Escrevo no perigoso presente; e o que o Irene nos trará é um mistério e uma lição

GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exausto das viagens internacionais com meu espetáculo, chego em casa, em Manhattan, na semana passada, para tentar descansar. Eis que surge no Atlântico um maldito furacão. Nos informam que ele (a) se chama Irene.
Há seis anos, tivemos um dos piores eventos naturais e a pior administração de crise de um governo: o Katrina batia em New Orleans e deixava o mundo boquiaberto ou furioso pela falta de resposta da Casa Branca de Bush.
Pois agora chegou a vez da Costa Leste dos EUA. Mas Nova York? Como assim? Furacão aqui? É coisa rara, mas existe. Escrevo no presente. E o presente é superperigoso. O prefeito Michael Bloomberg decretou "saída obrigatória" em áreas de Manhattan. Veio a ordem de esvaziar meu prédio. Voltei correndo para pegar as coisas mais valiosas e tentar um lugar num hotel ou casa de amigo.
"Justamente depois de ter cumprido as ordens e ter abastecido o apartamento com enlatados e dúzias de garrafas de água mineral, eles me mandam sair?" "E quando eu voltar, qual será o tamanho da devastação?"
Pois é. Pensei pequena e mesquinhamente. O mais importante agora é seguir ordens de quem está mais organizado do que eu: o governo.
Amanhã, fecha o metrô, acabam os ônibus. Caos. O serviço de emergência deveria cuidar dos velhos, dos enfermos e dos veteranos, não de pessoas como eu. Então, me vou. Desculpa a pressa do artigo escrito às pressas. Mas antes de o caos se instalar, saio daqui com a mesma esperança de Kafka: Será que todos os objetos estarão assim, no lugar onde estão agora? Ou terão se movido, tido vida própria? Será que o vento e a água invadirão meu ninho e destruirão tudo o que acumulo tão cuidadosamente há.....bem, a vida inteira?
De uma forma ou de outra, o que o Irene nos trás será um mistério e uma lição. E se perdermos tudo, não terá sido por culpa dos governantes. Eles foram impecáveis. Apesar da nossa, ou da minha mesquinha e kafkiana maneira de ver a vida.

GERALD THOMAS é diretor e autor teatral



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