São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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UNIÃO EUROPÉIA

Na cúpula de Bruxelas, França e Alemanha aparam arestas sobre o financiamento da ampliação do bloco para o leste

Acordo entre Paris e Berlim salva a expansão da UE

DA REDAÇÃO

Graças ao "renascimento" do motor franco-alemão, o premiê dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, que responde pela presidência da União Européia atualmente, pôde anunciar anteontem que, na cúpula de Bruxelas, foi dado um "passo essencial em direção à histórica expansão" da UE, subentendendo que seu financiamento não seria mais um entrave.
Contudo nem tudo o que foi decidido na reunião, terminada anteontem, é indiscutível. Se o acordo entre o presidente francês, Jacques Chirac, e o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schröder, sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC), que permitiu evitar o bloqueio da adesão de oito países do Leste Europeu, além de Malta e de Chipre, ao bloco foi bem-vindo, o mesmo não pode ser dito sobre o status de que gozarão esses países até 2013.
"Até o final do próximo planejamento orçamentário da UE, que vai de 2007 a 2013, os dez novos países terão um longo período de adaptação a atravessar. No início, receberão apenas 25% do montante a que teriam direito referente à PAC e só passarão a receber os 100% em 2013", afirmou à Folha Christian Lequesne, especialista em UE do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (Paris).
"Na prática, isso os transforma em membros de segunda categoria durante esse período de adaptação. Todavia, ante as restrições orçamentárias do bloco, trata-se de uma solução razoável. Outros países, como Portugal e Grécia, também foram obrigados a aceitar um período de transição. Na verdade, a questão envolve apenas alguns Estados, como a Polônia, já que outros, como a Hungria, não possuem grande população agrícola", acrescentou.
A reforma da PAC, que consome quase a metade dos 100 bilhões do orçamento da UE, poderia bloquear a adesão dos dez novos membros porque, em dezembro, na cúpula de Copenhague, os 15 atuais países da UE terão de apresentar um pacote de propostas aos candidatos. Nele um dos pontos mais controversos diz respeito à ajuda financeira à qual os recém-chegados terão direito.
Até a última quinta-feira, essa reforma opunha os países que, historicamente, são o motor da UE: a França e a Alemanha. De um lado, Paris, representada por Chirac, ferrenho defensor dos agricultores franceses, refutava a hipótese de reformar a PAC antes de 2006, último ano do atual planejamento orçamentário da UE.
Do outro lado, Berlim, maior financiadora do bloco, considerava inviável a expansão das fronteiras da UE sem a reforma das políticas de concessão de ajuda financeira. Ademais, Schröder fez da ampliação -e da reforma da PAC- uma de suas bandeiras de campanha antes da eleição de setembro.
Para o chanceler alemão, no entanto, o peso político da expansão para o leste é enorme, sendo, portanto, inadmissível imaginar que a Alemanha pudesse bloqueá-la. Essa ampliação, a mais importante da história da construção européia, fará o bloco passar de 380 milhões de habitantes para 450 milhões e selará a reunificação do continente quase 60 anos após o final da Segunda Guerra.
Assim, para surpresa geral, na última quinta-feira, Chirac e Schröder apresentaram uma proposta comum que viabilizou a expansão e impediu que a cúpula de Bruxelas se tornasse um fracasso.
De acordo com o que ficou decidido na capital belga, a PAC não será reformada até 2006 e, depois disso, também não haverá redução de seu montante, como queriam os alemães. Por outro lado, ela também não receberá um acréscimo de fundos, tendo seu valor congelado ao final de 2006.
Isso significa que os alemães cedem porque aceitam continuar bancando a maior parte do bolo orçamentário, mas ganham porque, graças à inflação e aos ganhos de produtividade, o valor real despendido com a agricultura cairá progressivamente. Os franceses cedem ao concordar em que o valor da PAC seja congelado, mas ganham porque se mantêm como seus maiores beneficiários.
A partir de 2004, os 50 bilhões da PAC passarão a ser divididos entre 25 Estados, não mais por 15. Em princípio, em 2004, 47,5 bilhões serão concedidos aos atuais 15 Estados e 2,5 bilhões aos novos países. Em 2013, estes receberão 11 bilhões suplementares -que serão subtraídos do que é concedido aos atuais membros.
"Ademais, o Reino Unido perderá os descontos em suas contribuições a que tem direito desde 1984, e a Espanha, Portugal e a Grécia terão uma redução nos fundos regionais que recebem. A expansão será cara, mas, em tese, esse problema começa a ser resolvido. Em troca de uma ampliação politicamente importante, Berlim continuará a pagar a maior parte da conta", analisou Lequesne.
Em Bruxelas, em razão da reaproximação franco-alemã -possível porque as pressões eleitorais internas não mais existem (ambos os países tiveram eleições cruciais em 2002)-, o grande perdedor foi o Reino Unido, que, entre outras razões, por ainda não ter adotado o euro, não consegue impor seu peso político na UE. (MÁRCIO SENNE DE MORAES)


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