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O IMPÉRIO VOTA - RETA FINAL
Para John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, se vencer, Kerry agirá da mesma forma que Bush em relação a Iraque e Israel
Política externa não muda, diz analista
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Vença John Kerry ou permaneça George Bush, a política externa
americana não muda. Kerry, se
eleito, manterá a ocupação do Iraque e fará tudo o que for possível
para instalar um governo pró-americano, apesar de a derrota
dos EUA no conflito ser inevitável. O prognóstico é do cientista
político e ex-oficial da Força Aérea americana John Mearsheimer,
diretor do Programa sobre Política de Segurança Internacional da
Universidade de Chicago.
"O resultado eleitoral não terá
muita influência sobre o curso da
guerra ou a política para Israel",
diz Mearsheimer, 55, autor de
"The Tragedy of Great Power Politics" (a tragédia da política de
grande potência), em que aponta
desafios à hegemonia dos EUA.
Mearsheimer concedeu entrevista por telefone à Folha. Leia os
melhores trechos.
Folha - Ainda existe uma maneira
de sair do Iraque que seja honrosa
tanto para os americanos quanto
para os iraquianos?
John Mearsheimer - Não. Os
EUA explodiram qualquer oportunidade que porventura tenham
tido de criar um Iraque estável e
de sair rapidamente. Estão destinados a perder a guerra.
Folha - John Kerry disse que convocará conferência internacional
para conquistar o apoio de um número maior de países para a ocupação do Iraque. Pode funcionar?
Mearsheimer - Não. Não acredito que nenhum país que possa
ajudar os EUA esteja disposto a
fazê-lo. A guerra é muito impopular e, mesmo se não fosse, poucos
países mandariam seus soldados
para uma zona de tiro livre onde
eles serão alvo fácil.
Folha - A guerra está destinada a
acabar como a do Vietnã?
Mearsheimer - Sim. As três melhores analogias para a guerra no
Iraque são os EUA no Vietnã, a
União Soviética no Afeganistão e
os israelenses no Líbano. Nos três
casos, as forças invasoras tiveram
inicialmente vitórias militares rápidas, mas acabaram derrotadas
por uma insurgência contra a
qual não tinham estratégia. O Iraque é uma causa perdida.
Folha - Quando será inevitável dizer isso aos americanos?
Mearsheimer - Minha impressão
é que não haverá um momento
específico, mas que lenta e continuamente haverá uma erosão cada vez maior do apoio à guerra
dentro dos EUA e da coalizão internacional, até que fique claro
que é hora de sair.
Folha - O conflito israelo-palestino não foi mencionado nos debates
entre Bush e Kerry.
Mearsheimer - É chocante que
nenhum dos dois candidatos tenha tocado no assunto, mas a explicação é simples: ambos têm
medo de perder o voto da comunidade judaica. É pura política interna. Mas o apoio americano a
Israel é central na alimentação do
terrorismo contra nós.
Folha - Se Kerry vencer, sua política em relação a Israel será diferente da de Bush?
Mearsheimer - Dificilmente. O
fato é que nenhum presidente
americano fará pressão significativa sobre os israelenses.
Folha - Significa que a única superpotência não tem por ora nenhum líder com visão estratégica?
Mearsheimer - Em termos de política externa, não fará muita diferença se a eleição for vencida por
Bush ou Kerry. A invasão do Iraque transformou o Oriente Médio
no foco principal da política externa e o resultado eleitoral não
terá muita influência sobre o curso da guerra ou sobre a política
para Israel. Kerry vai atuar como
Bush: ficar no Iraque e fazer tudo
o que for possível para criar um
governo pró-americano. A única
diferença é que o democrata vai
tratar os aliados com mais respeito e as relações com a Europa vão
melhorar. Mas ser bonzinho não
bastará para convencer os europeus a enviarem tropas para lá.
Folha - Parte do que se chama de
"terrorismo global" pode ser relacionada a questões nacionais, caso
de tchetchenos e palestinos.
Mearsheimer - Esqueça os palestinos e os tchetchenos. O que eles
estão tentando fazer é criar seu
próprio Estado. Isso é nacionalismo. O caso interessante é a Al
Qaeda. Muitos dizem que a Al
Qaeda é uma ameaça ao sistema
de Estados. Não há dúvida de que
ela é um ator não-estatal, mas seu
principal objetivo é provocar mudanças no sistema de Estados,
não derrubá-lo. A Al Qaeda está
interessada em afastar os EUA do
Oriente Médio, em primeiro lugar, e, em segundo, em mudar os
governos da região.
Folha - O modo com que o terrorismo é em geral apresentado falseia a realidade?
Mearsheimer - Quando os EUA
falam em "terrorismo global" e
concluem que os palestinos, por
exemplo, estão no mesmo campo
da Al Qaeda, isso é uma fórmula
para o desastre. O que os EUA deveriam fazer é se concentrar no
conflito israelo-palestino e fazer o
possível para que haja um acordo,
para que os palestinos tenham
um Estado viável. Tratá-los como
equivalentes da Al Qaeda só piora
o conflito e agrava o terrorismo.
Folha - O sr. afirma que é do interesse americano evitar que a China
se torne hegemônica na Ásia. A invasão do Iraque desviou os EUA de
prioridades de política externa?
Merasheimer - A China não importa muito neste momento porque é uma ameaça distante. O
principal problema atual é a Coréia do Norte. Quando a colocaram no "eixo do mal" com o Iraque e o Irã e depois invadiram o
Iraque, os EUA enviaram aos norte-coreanos e aos iranianos a
mensagem de que, se não quiserem terminar como o Iraque, é
melhor terem armas nucleares.
Folha - O fato de a única superpotência ter iniciado uma guerra que
a desmoralizou é ruim para o equilíbrio global?
Mearsheimer - Antes da invasão,
os EUA eram realmente poderosos e tinham um sentido de missão. Estavam determinados a invadir não apenas o Iraque, mas
outros países. Não acredito que
isso criaria estabilidade. Então, o
lado bom da história é que eles
não estão mais livres para invadir
o Irã, a Síria ou a Coréia do Norte.
Folha - Seus pontos-de-vista não
parecem os de um conservador.
Mearsheimer - É muito importante entender que o governo
Bush não tem uma política externa conservadora. Sua política externa é radical. Minha análise sobre o governo Bush é a de um
conservador, que é muito mais
prudente sobre o uso da força.
Quem tenta redesenhar uma região inteira do mundo pelas armas é por definição um radical. O
plano inicial era criar democracias em todo o Oriente Médio. O
Iraque era apenas o primeiro passo. Isso é engenharia social numa
escala nunca vista antes. Isso não
é uma política conservadora.
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