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ENTREVISTA DA 2ª
WILLIAM BURNS
Teerã tem direito de ter seu programa nuclear civil
Terceiro nome da diplomacia americana diz que EUA erraram no Iraque, defende Irã e afirma que Geórgia acirrou crise no Cáucaso
"O IRÃ tem direito a um programa civil de energia nuclear". A frase não
partiu de um aliado de Teerã, mas do número três do Departamento
de Estado dos EUA: o subsecretário para Assuntos Políticos, William Burns. Destoando da artilharia verbal de Washington, Burns explica que o erro do país não é
desenvolver centrais atômicas, mas fazê-lo sem transparência nem amparo das potências signatárias do
Tratado de Não-Proliferação. Representante da retórica mais conciliadora da diplomacia americana, ele
defende que o extremismo seja combatido com desenvolvimento econômico e social e cita a luta contra
a Aids na África como o maior trunfo externo de Bush.
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Essas foram algumas das
idéias defendidas por Burns em
entrevista à Folha, concedida
numa caminhonete blindada
que levava o diplomata do aeroporto de Congonhas até a residência oficial do Consulado-Geral dos EUA em São Paulo.
Burns também destoou do
discurso tradicional ao criticar
a Geórgia -aliada da Casa
Branca- e lamentou que o
atual governo americano não
tenha obtido um acordo de paz
entre israelenses e palestinos.
Leia os principais trechos da
entrevista, feita no último dia
17, quando ele visitou o Brasil
em meio a esforços da Casa
Branca por uma "transição de
governo suave" para a região.
FOLHA - O que mudou depois que
sr. participou das conversas em Genebra com o Irã, em julho?
WILLIAM BURNS - Naquela ocasião, nós [EUA, França, Reino
Unido, Alemanha, China e Rússia] expusemos detalhadamente nossa oferta ao regime iraniano: um pacote generoso de
incentivos, no qual deixamos
claro que reconhecemos o direito de o Irã ter um programa
nuclear civil -até oferecemos
reatores de água leve e assistência para que o país desenvolva seu programa civil.
Mas o Irã precisa cumprir
com suas obrigações. A AIEA
(Agência Internacional de
Energia Atômica) fez perguntas legítimas e claras ao regime
iraniano, às quais ele não respondeu. Se Teerã aceitar o que
propusemos, ganhará muito
em termos econômicos e de reconhecimento externo. Se não,
aumentaremos a pressão e as
sanções econômicas. Continuaremos buscando uma solução diplomática, mas depende
de como os iranianos responderem -até agora suas respostas não têm sido satisfatórias.
FOLHA - Como está o projeto de os
EUA terem representação em Teerã?
BURNS - Já temos uma seção de
interesses em Teerã, administrada pela Embaixada da Suíça
[os dois países romperam em
1979, após islâmicos radicais
manterem reféns por 444 dias
na Embaixada dos EUA em
Teerã]. O que cogitamos é enviar alguns diplomatas americanos para esse escritório. A secretária [de Estado] Condoleezza Rice continua achando a
idéia interessante a longo prazo. Se avançarmos neste caminho, teremos a chance de alcançar a sociedade iraniana, independentemente do governo.
FOLHA - Preocupa os EUA o fato de
alguns países sul-americanos, como
o Brasil, estreitarem laços com o Irã?
BURNS - O Brasil é perfeitamente capaz de fazer suas próprias escolhas diplomáticas, e
nós as respeitamos. De qualquer forma, nossa atenção vai
além do que o Irã ou a Rússia
fazem com a Venezuela. Embora acompanhemos esses processos, nossa prioridade é promover neste hemisfério uma agenda em favor do desenvolvimento social e econômico.
FOLHA - O que o sr. responde aos
que acusam o governo Bush de ter
transformado o mundo em um lugar mais perigoso do que era logo
depois de 11 de Setembro?
BURNS - Não contem comigo
para dizer que os EUA não cometeram erros. Erramos, sim,
principalmente no planejamento da Guerra do Iraque e na
projeção de cenário pós-derrubada de Saddam Hussein. O
mundo era um lugar perigoso
antes [das invasões] do Afeganistão e do Iraque [em 2001 e
2003] e continua um lugar perigoso. Mas a situação iraquiana traz um sinal de esperança, é
um país que aos poucos ressurge com estabilidade.
No Afeganistão, o regime Taleban e a Al Qaeda representavam perigo e nós sofremos o 11
de Setembro - e muitos outros
países foram atingidos. A iniciativa que tomamos em 2001
[de derrubar o Taleban] era absolutamente necessária.
FOLHA - Qual deve ser a prioridade
do próximo presidente americano
em relação a Iraque e Afeganistão?
BURNS - O Afeganistão carece
de recursos naturais, e os desafios vão bem além da segurança. É preciso criar um caminho
de avanço econômico e governança. Já no Iraque houve progressos significativos em termos de segurança -embora a situação ainda esteja longe do
ideal- e isso permitiu abrir espaço para revitalizar a economia. A sociedade iraquiana desfruta de enormes quantidades
de recursos petroleiros, algo
crucial rumo à reconciliação.
FOLHA - Até que ponto a guerra na
Geórgia afetou as relações entre
EUA e Rússia?
BURNS - Não é segredo que estamos num período difícil de
nossa relação com a Rússia, e
isso vale para muitos países europeus. Trata-se na realidade
de um caso clássico de relação
complicada entre grandes potências: haverá áreas nas quais
vamos competir e outras nas
quais vamos trabalhar juntos.
FOLHA - Há quem diga que conflitos eram previsíveis entre Rússia e
ex-repúblicas soviéticas...
BURNS - As tensões já eram óbvias, e atuamos com os russos e
georgianos para amenizá-las,
ao lado dos nossos aliados europeus. A mensagem que havíamos enviado ao governo
georgiano era clara: não recorrer à força em nenhuma hipótese para assegurar sua soberania sobre a Ossétia do Sul e a Abkházia [as regiões separatistas pivô do conflito entre Tbilisi e Moscou em agosto]. O fato de o governo georgiano ter feito
justamente isso [invadir a Ossétia] foi uma decisão cega.
Mas isso não justifica a resposta desproporcional de Moscou. Desde então, há dificuldades com a Rússia. Porém, é um país que não podemos nos dar o
luxo de ignorar. Há muitas
áreas nas quais precisamos trabalhar juntos, afinal EUA e
Rússia temos um papel-chave
de liderança, sobretudo em matéria de armamentos nucleares. É preciso que caminhemos
juntos para dar o exemplo de
como administramos nossos
arsenais e como os reduzimos.
FOLHA - Qual é o maior sucesso do
governo Bush em política externa?
BURNS - Eu poria no topo da
lista os esforços históricos para
combater o HIV na África e em
outros lugares. Isso exigiu
enormes recursos do governo
americano, e acho que o próximo presidente deverá seguir
nesse caminho. Quando se fala
em segurança, é preciso ter em
mente uma definição ampla. É
claro que é preciso combater
grupos extremistas violentos.
Mas os problemas como a pobreza e as doenças devem ser
encarados com a mesma ênfase. O subdesenvolvimento social e econômico cria um terreno propício para o extremismo.
FOLHA - E a a maior frustração?
BURNS - Ver que, apesar de todo o esforço da secretária Rice,
não houve maiores avanços em
busca de um acordo de paz entre israelenses e palestinos,
embora tenha havido progressos. Mas chegaremos lá.
FOLHA - Como a crise global vai
afetar as relações internacionais?
BURNS - Afetará economias do
mundo inteiro e poderá ter um
impacto negativo na ajuda internacional -ou seja, quanto
um país como os EUA pode
continuar fornecendo em ajuda externa. Mas acho que oportunidades existem até mesmo
em tempos de crises. Uma delas
é o lembrete de que todos dependemos uns dos outros, e a
economia global é hoje tão interconectada que precisamos
reforçar nossa ação conjunta,
não só no G8, mas também com
potências emergentes como
Brasil, Índia e China.
A crise também pode nos levar a uma reflexão sobre as instituições de Bretton Woods
[FMI e Banco Mundial], que
deveriam ser atualizadas e modernizadas.
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