São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EUROPA

Governo italiano envia reforço policial para tentar conter onda de assassinatos por disputa na Camorra, a máfia napolitana

Guerra entre mafiosos aterroriza Nápoles

PHIL STEWART
DA REUTERS

Vittorio La Vecchia cortava tomates quando um assassino profissional entrou em sua pizzaria e deu dois tiros na cabeça de um cliente. Salvatore Peluso, a vítima de 51 anos, caiu de cara na pizza que La Vecchia tinha acabado de tirar do forno.
"Sangue no prato, por todo lado", murmurou La Vecchia, olhando para a mesa que se tornou a cena de um crime. "Não dá nem para distinguir o rosto dele."
Essa é apenas uma entre mais de uma dúzia de mortes premeditadas ocorridas neste mês em Nápoles [sul da Itália], fruto de uma crescente guerra por território e influência na Camorra -associação criminosa italiana, surgida há mais de dois séculos, que amealha bilhões de dólares por ano com extorsão e tráfico de drogas.
Nas áreas mais conflagradas, as vítimas são apanhadas na rua em plena luz do dia. Várias delas foram encontradas posteriormente embrulhadas em plástico, abandonadas em carros ou incineradas, algumas tendo sido torturadas antes de morrer.
A polícia de Nápoles, que se esforça por evitar que as ações do submundo do crime atinjam os cidadãos comuns, reconhece que a questão agora não é mais saber se outros assassinatos ocorrerão -mas apenas quando ocorrerão.
Assim, a cidade portuária descrita pela imprensa como o velho oeste italiano prepara-se para o que pode ser uma prolongada guerra entre grupos mafiosos.

Vácuo de poder
A cerca de 15 minutos de carro do centro de Nápoles está Le Vele, um decadente conjunto habitacional popular da década de 1960 que se tornou um símbolo da luta contra a pobreza, as drogas e o crime organizado. Ali as coisas se passam como se algum grau de violência sempre tivesse existido, mas os moradores dizem que a vida costumava ser mais tolerável quando os mafiosos eram mais bem organizados.
"Ultimamente ficou pior", diz uma garota de 16 anos que pede para ser chamada de Rita. "Não há chefe." No bairro onde Rita mora, o temido clã de Di Lauro está se despedaçando após o poderoso chefe ter saído de cena. Membros rivais estão agora matando uns aos outros pelo controle de regiões como Secondigliano e Scampia.
O lucrativo esquema de extorsão também está sendo disputado. A polícia estima que apenas esse esquema renderá à Camorra cerca de 4 bilhões neste ano -mais do que o arrecadado por qualquer dos outros três maiores grupos mafiosos italianos: a Cosa Nostra, a 'Ndrangheta e a Sacra Corona Unita.
Ao contrário da siciliana Cosa Nostra, a Camorra não é centralizada. "Clãs" pequenos e independentes dividem a cidade, e essa instabilidade estrutural torna difícil sua erradicação pela polícia.

Drogas e desemprego
Bem suprida financeiramente com recursos da União Européia, a polícia de Nápoles atualizou seu centro de controle de crimes. Um monitor de tela plana do tamanho da parede mostra imagens em tempo real dos quarteirões e das avenidas da cidade. Câmeras são capazes de captar detalhes como placas de carros e de tirar fotos de potenciais ladrões e assassinos. Já estão em funcionamento 42 câmeras, e no próximo ano serão instaladas mais 60.
A tecnologia é bem-vinda, mas a polícia admite que ela não será suficiente para virar o jogo contra o crime organizado. O índice de desemprego de Nápoles, um dos maiores da Europa, despeja uma multidão de novos recrutas para a Camorra, diz Antonio de Jesu, chefe da unidade de prevenção ao crime da cidade.
Ele cita um estudo recente, publicado no jornal "La Repubblica", que mostra que 58,8% dos jovens de Nápoles estão desempregados. "Se esses números não forem reduzidos a níveis aceitáveis, essas pessoas sempre viverão sob o controle do crime", diz. Segundo ele, nos bairros pobres o tráfico de drogas pode render, em um único ponto, 50 mil por dia.
Há ainda os crimes menores, que atingem muito mais gente do que a Camorra. Até agora já foram registrados neste ano mais de 11 mil roubos na Província onde se situa a cidade de Nápoles. Recomenda-se aos turistas não usar jóias, e as autoridades proibiram a venda de alguns tipos de faca para tentar reduzir a delinqüência.
Em vez de apelar às autoridades, os napolitanos muitas vezes preferem fazer justiça pelas próprias mãos. De Jesu cita o caso de uma menina de 15 anos que no mês passado convenceu seu pai a perseguir e matar o homem que roubou seu patinete.

Apostas encerradas
O agravamento da crise tem ganhado atenção nacional. O presidente italiano, Carlo Azeglio Ciampi, visitou a cidade neste mês, e disse que estará ao lado dos napolitanos neste momento de provação. Ele encorajou a população a cooperar com a polícia, após ouvir reclamações quanto ao silêncio de cumplicidade por parte dos moradores amedrontados.
O ministro do Interior, Giuseppe Pisanu, também foi até lá, e depois enviou 325 policiais à cidade para tomar parte na batalha. "Temos diante de nós um inimigo que é agressivo e feroz", afirmou ao Parlamento durante uma sessão sobre a violência em Nápoles.
Uma pesquisa recente mostrou que 52% dos napolitanos são favoráveis ao emprego do Exército para restabelecer o controle. Observadores experientes da Camorra dizem que a solução provavelmente virá dos próprios mafiosos, não da polícia ou dos soldados. "A guerra acabará quando um grupo vencer", diz Francesco Barbagallo, autor do livro "O Poder da Camorra". "Mas não se pode fazer nenhuma previsão a respeito de quando ela acabará."


Texto Anterior: Adeus a distância: Funerária quer exibir cremações em site
Próximo Texto: Ásia: Seitas chinesas disputam fiéis à força
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.