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EUROPA
Governo italiano envia reforço policial para tentar conter onda de assassinatos por disputa na Camorra, a máfia napolitana
Guerra entre mafiosos aterroriza Nápoles
PHIL STEWART
DA REUTERS
Vittorio La Vecchia cortava tomates quando um assassino profissional entrou em sua pizzaria e
deu dois tiros na cabeça de um
cliente. Salvatore Peluso, a vítima
de 51 anos, caiu de cara na pizza
que La Vecchia tinha acabado de
tirar do forno.
"Sangue no prato, por todo lado", murmurou La Vecchia,
olhando para a mesa que se tornou a cena de um crime. "Não dá
nem para distinguir o rosto dele."
Essa é apenas uma entre mais de
uma dúzia de mortes premeditadas ocorridas neste mês em Nápoles [sul da Itália], fruto de uma
crescente guerra por território e
influência na Camorra -associação criminosa italiana, surgida há
mais de dois séculos, que amealha
bilhões de dólares por ano com
extorsão e tráfico de drogas.
Nas áreas mais conflagradas, as
vítimas são apanhadas na rua em
plena luz do dia. Várias delas foram encontradas posteriormente
embrulhadas em plástico, abandonadas em carros ou incineradas, algumas tendo sido torturadas antes de morrer.
A polícia de Nápoles, que se esforça por evitar que as ações do
submundo do crime atinjam os
cidadãos comuns, reconhece que
a questão agora não é mais saber
se outros assassinatos ocorrerão
-mas apenas quando ocorrerão.
Assim, a cidade portuária descrita pela imprensa como o velho
oeste italiano prepara-se para o
que pode ser uma prolongada
guerra entre grupos mafiosos.
Vácuo de poder
A cerca de 15 minutos de carro
do centro de Nápoles está Le Vele,
um decadente conjunto habitacional popular da década de 1960
que se tornou um símbolo da luta
contra a pobreza, as drogas e o
crime organizado. Ali as coisas se
passam como se algum grau de
violência sempre tivesse existido,
mas os moradores dizem que a vida costumava ser mais tolerável
quando os mafiosos eram mais
bem organizados.
"Ultimamente ficou pior", diz
uma garota de 16 anos que pede
para ser chamada de Rita. "Não
há chefe." No bairro onde Rita
mora, o temido clã de Di Lauro
está se despedaçando após o poderoso chefe ter saído de cena.
Membros rivais estão agora matando uns aos outros pelo controle de regiões como Secondigliano
e Scampia.
O lucrativo esquema de extorsão também está sendo disputado. A polícia estima que apenas
esse esquema renderá à Camorra
cerca de 4 bilhões neste ano
-mais do que o arrecadado por
qualquer dos outros três maiores
grupos mafiosos italianos: a Cosa
Nostra, a 'Ndrangheta e a Sacra
Corona Unita.
Ao contrário da siciliana Cosa
Nostra, a Camorra não é centralizada. "Clãs" pequenos e independentes dividem a cidade, e essa
instabilidade estrutural torna difícil sua erradicação pela polícia.
Drogas e desemprego
Bem suprida financeiramente
com recursos da União Européia,
a polícia de Nápoles atualizou seu
centro de controle de crimes. Um
monitor de tela plana do tamanho
da parede mostra imagens em
tempo real dos quarteirões e das
avenidas da cidade. Câmeras são
capazes de captar detalhes como
placas de carros e de tirar fotos de
potenciais ladrões e assassinos. Já
estão em funcionamento 42 câmeras, e no próximo ano serão
instaladas mais 60.
A tecnologia é bem-vinda, mas
a polícia admite que ela não será
suficiente para virar o jogo contra
o crime organizado. O índice de
desemprego de Nápoles, um dos
maiores da Europa, despeja uma
multidão de novos recrutas para a
Camorra, diz Antonio de Jesu,
chefe da unidade de prevenção ao
crime da cidade.
Ele cita um estudo recente, publicado no jornal "La Repubblica", que mostra que 58,8% dos jovens de Nápoles estão desempregados. "Se esses números não forem reduzidos a níveis aceitáveis,
essas pessoas sempre viverão sob
o controle do crime", diz. Segundo ele, nos bairros pobres o tráfico de drogas pode render, em um
único ponto, 50 mil por dia.
Há ainda os crimes menores,
que atingem muito mais gente do
que a Camorra. Até agora já foram registrados neste ano mais de
11 mil roubos na Província onde
se situa a cidade de Nápoles. Recomenda-se aos turistas não usar
jóias, e as autoridades proibiram a
venda de alguns tipos de faca para
tentar reduzir a delinqüência.
Em vez de apelar às autoridades, os napolitanos muitas vezes
preferem fazer justiça pelas próprias mãos. De Jesu cita o caso de
uma menina de 15 anos que no
mês passado convenceu seu pai a
perseguir e matar o homem que
roubou seu patinete.
Apostas encerradas
O agravamento da crise tem ganhado atenção nacional. O presidente italiano, Carlo Azeglio
Ciampi, visitou a cidade neste
mês, e disse que estará ao lado dos
napolitanos neste momento de
provação. Ele encorajou a população a cooperar com a polícia, após
ouvir reclamações quanto ao silêncio de cumplicidade por parte
dos moradores amedrontados.
O ministro do Interior, Giuseppe Pisanu, também foi até lá, e depois enviou 325 policiais à cidade
para tomar parte na batalha. "Temos diante de nós um inimigo
que é agressivo e feroz", afirmou
ao Parlamento durante uma sessão sobre a violência em Nápoles.
Uma pesquisa recente mostrou
que 52% dos napolitanos são favoráveis ao emprego do Exército
para restabelecer o controle. Observadores experientes da Camorra dizem que a solução provavelmente virá dos próprios mafiosos, não da polícia ou dos soldados. "A guerra acabará quando
um grupo vencer", diz Francesco
Barbagallo, autor do livro "O Poder da Camorra". "Mas não se pode fazer nenhuma previsão a respeito de quando ela acabará."
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