São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

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Com tradição liberal, Canadá teme nova onda conservadora

Após 12 anos, conservadores retornam ao poder com uma agenda de revisão dos direitos civis e de endurecimento das leis de combate à criminalidade

CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A OTTAWA

País de tradição liberal, o Canadá vive, sob seu primeiro governo conservador em 12 anos, o temor de um retrocesso em questões sociais e de direitos civis, além de um endurecimento nas leis de combate ao crime. Uma das principais iniciativas do governo do premiê Stephen Harper, que assumiu em fevereiro, foi a de reabrir o debate sobre a lei que legalizou, em 2005, o casamento gay.
Uma vez reaberto o debate, o objetivo seria "restituir" a definição tradicional do casamento como uma união entre um homem e uma mulher. A pergunta que muitos faziam é como seriam "descasados" os casais beneficiados com a lei -os ativistas estimam que foram 12 mil. Harper fracassou redondamente depois que o Parlamento rejeitou no início deste mês sua moção para revisar a lei.
Após a derrota, o premiê disse que "aposentaria" de vez essa que foi uma das bandeiras de sua campanha ao governo. Uma das principais barreiras ao impulso conservador de Harper é o fato de seu partido ter formado um governo de minoria, ou seja, que não ter a maioria dos assentos no Parlamento e precisar dos demais partidos para aprovar leis.
Por sua vez, tanto o Partido Liberal quanto o Bloc Québecois são significativamente mais liberais em temas sociais -o casamento gay foi instituído durante o governo liberal do premiê Paul Martin. Mas enquanto a questão do casamento gay foi enterrada, o governo centra fogo na bateria de leis de combate ao crime.
Uma das principais medidas é a que prevê o aumento da chamada "idade do consentimento" dos atuais 14 para 16 anos. O governo propôs ainda uma lei que facilita a classificação de uma pessoa como "criminoso perigoso" após três condenações "sérias" (como homicídio ou crimes de teor sexual), com o agravante de que o ônus da prova cabe ao acusado, que ficaria sujeito à prisão por tempo indeterminado.
Segundo analistas canadenses, as chances de essas medidas serem aprovadas são mínimas, mas, ao propô-las, os conservadores esperam ganhar fôlego para formar um governo majoritário na próxima eleição. "O objetivo é construir uma imagem dos conservadores como particularmente preocupados com o crime", disse o liberal Derek Lee, vice-presidente da comissão de Justiça.
"Só posso dizer que estamos impulsionando nossa agenda. Estou desapontada que os outros partidos não mantenham suas promessas de campanha", disse o ministro da Justiça, Vic Toews, à revista "MacLean's".

Contramão
Mas para o sociólogo Jules Duchastel, o tiro pode sair pela culatra. "A onda conservadora está na contramão da mentalidade do canadense e especialmente do quebequense", diz. Paul Wells, um dos mais reputados comentaristas políticos canadenses, concorda. "O conservadorismo canadense tem um teor menos religioso que o americano e é um fenômeno mais complexo", diz o autor do livro "Right Side Up: the Fall of Paul Martin and the Rise of Stephen Harper's New Conservatism" (Este lado para cima: a queda de Paul Martin e a ascensão do novo conservadorismo de Stephen Harper). "É composto pelas Províncias rurais, de tradição mais populista, pela elite econômica e pela ala socialmente conservadora e nacionalista ligada à igreja. Os conservadores raramente chegam ao poder justamente porque é difícil formar uma coalizão entre essas três tendências", diz Wells. "O primeiro desafio será manter essa coalizão unida e estender políticas àqueles que não se consideram conservadores."


A jornalista CAROLINA VILA-NOVA viajou a convite do governo canadense

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