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POLÊMICA
Autor de "Choque de Civilizações" vê risco de o país se dividir em dois, ameaçando a cultura anglo-americana
Hispânicos ameaçam EUA, diz Huntington
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
Em 1993, o escritor Samuel
Huntington, 76, teorizou em
"Choque de Civilizações" (um artigo depois transformado em livro) sobre os conflitos entre povos que a globalização provocaria. O 11 de Setembro teria confirmado suas previsões e lhe rendeu
proeminência e público.
Agora, o professor da Universidade Harvard prevê um fulminante choque cultural no coração
do império. Ele anuncia o fim do
chamado "sonho americano".
Em nova obra com lançamento
previsto para maio, o autor sustenta que a aceleração descontrolada da imigração hispânica nos
EUA, principalmente mexicana,
rachará o país.
Sua pergunta e aviso: "Os EUA
continuarão sendo um país com
um único idioma e uma cultura
anglo-protestante? Ao ignorar essa questão, os americanos estão
assumindo o risco de uma eventual divisão entre duas populações com duas culturas (anglo-americana e hispânica) e duas línguas (inglês e espanhol)".
Trechos de "Quem Somos: Desafios à Identidade Nacional
Americana" foram publicados na
edição corrente da revista "Foreign Policy", despertando polêmica imediata.
Para Huntington, os imigrantes
hispânicos ameaçam "o núcleo da
cultura anglo-protestante" norte-americana traduzida no respeito à
lei, no trabalho duro e nos direitos
humanos e civis.
O autor antecipa um país "fraturado" pela elevada taxa de natalidade dos hispânicos e por sua
"incapacidade" de aprender os
valores anglo-americanos e a língua inglesa.
Os hispânicos somam hoje cerca de 40 milhões de pessoas nos
EUA, o maior grupo dentro de
uma população total de 290 milhões. Mais de 60% do crescimento populacional do país é atualmente originado por novos imigrantes ou pelo nascimento de filhos de imigrantes -sendo hispânica a esmagadora maioria.
Huntington sustenta que, ao
contrário de outras ondas migratórias, os hispânicos (principalmente os mexicanos) estão se fechando em comunidades e evitando interagir com os norte-americanos e seus valores.
"A tese não chega a ser chocante, pois a política de imigração
americana é centrada no sucesso
individual, sem qualquer estímulo ao aprendizado da língua ou de
profissões, algo que já ocorre no
Canadá e na Austrália", afirma
John Keeley, diretor do Centro de
Estudos de Imigração, órgão independente com maior autoridade no assunto nos EUA.
"O número atual de imigrantes
no país sem educação e não especializados não tem precedentes.
Isso, de fato, pode lançar as bases
para um conflito futuro", diz Keeley, lembrando que os EUA têm
hoje o dobro de imigrantes que tinham nos anos 80.
Daniel Drezner, professor de
ciência política da Universidade
de Chicago, questionou a tese em
artigo citando dados do Censo
norte-americano que mostram
uma evolução da assimilação cultural por parte dos hispânicos.
Enquanto o inglês é a língua
predominante nas residências de
apenas 5% dos imigrantes de primeira geração, o percentual sobe
a mais de 30% nos domicílios dos
que já nasceram nos EUA e a 60%
entre os de terceira geração.
A tese também sugeriria preconceito ao não contemplar o fato
de os hispânicos talvez quererem
manter suas referências culturais
em casa e, até por falta de opção,
não adotarem plenamente o estilo
de "trabalho duro" atribuído aos
anglo-americanos.
Na prática, quase todas as profissões pesadas, braçais e mal remuneradas nos EUA são exercidas hoje por imigrantes.
"A tese de Huntington é potencialmente danosa, pois pode ser
usada para racionalizar e formar,
sem bases reais, novas políticas
antiimigrantes e antimexicanos",
afirmou Andres Jimenez, diretor
do Centro de Pesquisas de Política
da Universidade da Califórnia,
em carta à "Foreign Policy" contestando o artigo de Huntington.
No dia-a-dia, no entanto, a "fratura" vislumbrada por Huntington já é visível em termos geográficos e econômicos.
A grande maioria dos imigrantes legais e ilegais vivendo nos
EUA hoje não tem empregos formais, planos de saúde, poupança
ou casa própria.
Nessa situação socioeconômica,
a maior parte vive cada vez mais
em regiões específicas de centros
urbanos onde o espanhol resiste
em abrir espaço para o inglês, seja
na fala ou na publicidade.
Mais de um quarto dos hispânicos vivendo nos EUA também é
composto hoje de imigrantes ilegais, que chegam ao país a um ritmo de quase 500 mil ao ano, fato
que ajuda a aprofundar a divisão.
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