São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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OPINIÃO

Viva o intelectual conquistador

MAUREEN DOWD
DO "NEW YORK TIMES"

OS DEMOCRATAS estão andando por aí em estado de choque.
Uau, estão se dizendo. Não somos uns fracotes totais! Não precisamos ficar parados, levando tapas na cara de fanfarrões republicanos e do pessoal do movimento Tea Party, com seus discursos voltados a semear o medo. Com humildade, e encontrando um jeito de atuar em conjunto, conseguimos que alguma coisa fosse feita realmente.
Num minuto eles eram perdedores legislativos, brigando entre eles e acotovelando-se para encontrar a saída. No momento seguinte eram pessoas que fizeram história, dividindo socos congratulatórios no peito e arrepios de emoção na Casa Branca. Como foi que o presidente, que sempre conserva sua atitude altiva, e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, cheia de artimanhas, de repente conseguiram afastá-los da rodovia Jimmy Carter e conduzi-los para a alameda Franklin Roosevelt?
Os democratas se deram as mãos, prenderam a respiração e pularam do penhasco -não que o projeto de lei fosse radical. E, milagre, nada terrível aconteceu. Os mercados tiveram alta. Os resultados das pesquisas de opinião subiram. A confiança das pessoas cresceu.
John McCain ameaçou democratas, dizendo a uma rádio que "não haverá cooperação pelo resto do ano" dos republicanos. Acabou ali, pelo visto, o discurso de "o país em primeiro lugar".
Mas David Frum, ex-redator de discursos de George W. Bush, admitiu que, ao tentarem transformar a reforma da saúde no Waterloo de Obama -uma reprise do desastre dos Clinton em 1994-, os republicanos podem ter criado seu próprio Waterloo.
"Demos ouvidos às vozes mais radicais do partido e do movimento, e elas nos conduziram para a derrota abjeta e irreversível", escreveu Frum em seu blog, acrescentando: "Oradores conservadores na Fox e em programas de rádio tinham instigado a base eleitoral republicana a um frenesi tão grande que qualquer negociação se tornou impossível. Como negociar com alguém que quer assassinar sua avó?"
Alguns membros da base republicana se revelaram como os neandertais racistas que são.
Manifestantes reunidos diante do Capitólio no sábado lançaram um epíteto racista contra dois congressistas negros, quando estes passaram pelo local. Barney Frank, de Massachusetts, foi alvo de um xingamento antigay. O democrata contrário ao aborto Bart Stupak foi xingado de "assassino de bebês" pelo deputado republicano do Texas Randy Neugebauer, que diz que vem recebendo "uma enxurrada tremenda" de apoio.

Porrete
Foi repulsivo. E, para os democratas que tinham se combatido durante cada volta e reviravolta do projeto de reforma da saúde, foi unificador.
Uma semana antes, Fred Hiatt, editor da página de editoriais do "Washington Post", tinha escrito que Obama não parecia feliz em seu cargo, que, em lugar da "jovialidade" de Roosevelt e John Kennedy, ele projetava "cansaço e a impressão de estar apenas cumprindo seu dever".
Na terça-feira, porém, o presidente estava alegre, e o sorriso contagiante que esteve tão escasso nos últimos dois anos iluminou o Salão Leste. Muitos parlamentares democratas tinham ficado frustrados com o fato de Obama não agir com mais contundência, antes. Como a deputada Louise Slaughter, que em fevereiro disse que "gostaria de ver um pouco mais dureza aqui ou ali".
Até agora, Obama vem se irritando com as pessoas que retratam os assuntos de Washington em termos maniqueístas de força ou fraqueza ou de vermelho ou azul. Ele queria apresentar argumentos razoáveis, queria buscar acordos de meio-termo, queria flutuar em sua torre de marfim.
Mas, finalmente, quando chegou a hora de fazer pressão, ele a fez (e deixou Pelosi aplicar a pressão final). Ele tratou a política não como exercício intelectual, mas como exercício político. Entendeu que às vezes não é possível manter uma postura altiva. Às vezes é preciso mergulhar na lama. É preciso parar de ser cerebral, é preciso sujar as mãos. É possível combater o medo com o poder.
O político de Chicago teve de aprender uma das grandes verdades americanas: é preciso dar um tapa na cara do agressor. O presidente sempre falou com voz macia. Mas desta vez ele brandiu o porrete.


Tradução de CLARA ALLAIN


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