São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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DIPLOMACIA

Ditador líbio faz visita histórica à Europa, em mais um passo na reaproximação com o Ocidente

União Européia recebe o ex-pária Gaddafi

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

Dezesseis anos depois do maior atentado terrorista cometido na Europa, condenado em cortes internacionais por ter sido o mandante desse ataque, o ditador líbio, Muammar Gaddafi, literalmente montou ontem sua tenda de beduíno em Bruxelas.
Agentes do serviço secreto de Gaddafi cometeram o atentado de Lockerbie (Escócia), em 1988, quando uma bomba derrubou um jato de PanAm e causou a morte de 270 pessoas. Em 2003, o ditador aceitou indenizar as famílias dos mortos, iniciando um processo de degelo nas suas relações com o Ocidente, a ponto de ter renunciado a seu programa de armas de destruição em massa.
A partir dessas atitudes, líderes europeus começaram uma corrida à Líbia, que já foi visitada pelo britânico Tony Blair e pelo espanhol José María Aznar, depois derrotado nas eleições. Antes deles, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva já estivera na Líbia, sob uma barragem de críticas.
O fato de o tapete vermelho ter sido estendido para Gaddafi em Bruxelas, com direito até a trazer sua tenda de beduíno para montá-la nos jardins de Val Duchesse, a residência oficial de visitantes estrangeiros, não foi suficiente para matar as polêmicas que o ditador líbio sempre desperta.
Foi recebido, à porta do edifício que abriga a Comissão Européia, por tambores africanos de apoio, mas também por gritos de "assassino". A Anistia Internacional, coincidência ou não, divulgou relatório em que diz que as violações aos direitos humanos continuam numa Líbia que veio em busca de "normalização" de suas relações com a União Européia.
Por mais gestos que Gaddafi tenha feito, parece evidente que sua aceitação no coração da Europa revela o interesse pela promessa de abrir a economia e desestatizá-la, o que é sempre sinal de gordos lucros para empresas ocidentais.
O novo Gaddafi deu-se ao luxo de apontar o dedo para o Ocidente: "Esperamos não ser forçados algum dia a voltar aos tempos em que púnhamos bombas em nossos carros ou usávamos um cinto com explosivos nas nossas camas e em torno de nossas mulheres para evitar que fôssemos molestados em nossos quartos e casas, como está acontecendo agora no Iraque e na Palestina".
O ditador líbio prometeu aos europeus cooperar na luta contra o terror. Há quem acredite: Kadisha Mohsen-Finan, especialista em mundo árabe do Instituto Francês de Relações Internacionais, diz que, como ofereceu campos de treinamento a terroristas no passado, Gaddafi tem informações sobre eles.


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