São Paulo, quinta-feira, 28 de maio de 2009

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Anistia denuncia uso da crise como pretexto para abusos

Para entidade, foco econômico possibilita a países desleixo com temas humanitários

Com menção ao PAC, Anistia critica o Brasil por buscar avanço econômico a todo custo, com prejuízos para grupos carentes e excluídos

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

Depois da recessão, vem a repressão, afirma, em documento publicado hoje, a Anistia Internacional, entidade que mapeia violações de direitos humanos ao redor do planeta.
A crise econômica sem precedentes em décadas, além de empurrar para a miséria milhões de pessoas, tem servido de pretexto para que governantes aumentem a repressão e a censura a grupos de oposição, apertem políticas anti-imigração e releguem para o último plano comunidades carentes e já excluídas em seus próprios territórios, diz o relatório.
O tom do relatório de 84 páginas é de catástrofe iminente, como quando fala que o mundo está sentado "num barril de pólvora prestes a explodir".
Um dos principais argumentos da Anistia é o de que o foco em uma crise (a econômica) e o desleixo com a outra (a humanitária) são uma "receita para piorar as duas". Nenhuma recuperação será sustentável se os fatores que aprofundam a miséria não forem combatidos.
"De um lado, existe o enorme perigo de pobreza crescente e condições sociais e econômicas desesperadoras levarem a instabilidade política e violência", registra o documento.
"Do outro, podemos chegar a uma situação em que a recessão será acompanhada por maior repressão de governos ameaçados -especialmente aqueles com inclinação autoritária-, que baterão duro em dissidentes, críticos e quem mais fizer acusações de corrupção e incompetência."
Embora esse tipo de risco autoritário tenda a ser automaticamente associado a países pobres ou marginais, o relatório não poupa o G20. O grupo das 20 principais economias do planeta e principal fórum de discussão para ações contra a atual crise econômica é criticado por não ter as mesmas preocupações quando se trata de direitos humanos.
A Anistia alerta que é nesses países que ocorrem algumas das piores violações do mundo e chegou a fazer comparações entre o G20 e o resto do planeta em certos itens, como a tortura (ocorre em 50% dos 157 países pesquisados, contra 79% dos que compõem o G20).
"A nova liderança do G20 tem iniciativas velhas e falhas em relação aos direitos humanos. Retórica sem ação, promovendo direitos humanos no exterior, mas ignorando-os dentro de casa ou protegendo aliados contra prestação de contas e abusos não dão confiança na liderança coletiva do grupo em relação aos direitos humanos", acusou a secretária-geral da entidade, Irene Khan.

PAC
O Brasil, segundo o relatório, se encaixa nessa descrição de país que não implementa dentro de suas próprias fronteiras o que defende no exterior.
A busca brasileira por crescimento econômico a qualquer custo -inclusive por meio de algumas obras do PAC- ignora e prejudica comunidades carentes e excluídas, disse à Folha o responsável pelo capítulo sobre o país, Tim Cahill.
"Claro que reconhecemos que o Brasil tem de crescer", disse Cahill, "mas isso tem de ser feito com respeito aos direitos de todos os brasileiros". Segundo ele, a expansão da economia tem sido feita à custa dos direitos de comunidades excluídas e marginalizadas.
Entre os exemplos destacados pelo pesquisador estão a expansão da agroindústria em Mato Grosso do Sul, que afeta indígenas, e a construção de uma siderúrgica no Rio de Janeiro, que atinge comunidades de pescadores.


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