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ÍNTEGRA
"Para nós, o acordo reforçaria a confiança", escreveu Obama
Leia carta enviada pelo presidente dos EUA a Lula em abril
DE SÃO PAULO
Leia a seguir a íntegra da
carta enviada pelo presidente dos EUA, Barack Obama,
ao colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, obtida com
exclusividade pelo colunista
da Folha Clóvis Rossi.
"Gostaria de agradecê-lo
por nossa reunião com o primeiro-ministro Erdogan, da
Turquia, durante a Conferência de Cúpula sobre Segurança
Nuclear. Dedicamos algum
tempo ao Irã, à questão da provisão de combustível nuclear
para o Reator de Pesquisa de
Teerã (TRR), e à intenção de
Turquia e Brasil quanto a trabalhar para encontrar uma solução aceitável.
Prometi responder detalhadamente às suas ideias, refleti
cuidadosamente sobre a nossa
discussão e gostaria de oferecer uma explicação detalhada
sobre minha perspectiva e sugerir um caminho para avançarmos.
Concordo com você que o
TRR representa uma oportunidade para abrir caminho a um
diálogo mais amplo no que
tange a resolver preocupações
mais fundamentais da comunidade internacional com respeito ao programa nuclear iraniano em seu todo.
Desde o começo, considerei
a solicitação iraniana como
uma oportunidade clara e tangível de começar a construir
confiança mútua e assim criar
tempo e espaço para um processo diplomático construtivo.
É por isso que os Estados Unidos apoiaram de forma tão vigorosa a proposta apresentada por Mohamed El Baradei, o
ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A proposta da AIEA foi preparada de maneira a ser justa e
equilibrada e a permitir que
ambos os lados ganhem confiança. Para nós, o acordo iraniano quanto a transferir 1.200
quilos de seu urânio de baixo
enriquecimento (LEU) para fora do país reforçaria a confiança e reduziria as tensões regionais, ao diminuir substancialmente os estoques de LEU do
Irã. Quero sublinhar que esse
elemento é de importância
fundamental para os EUA.
Para o Irã, o país receberia o
combustível nuclear solicitado para garantir a operação
continuada do TRR a fim de
produzir os isótopos médicos
necessários e, ao usar seu próprio material, os iranianos começariam a demonstrar intenções nucleares pacíficas. Não obstante o desafio continuado do Irã a cinco resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que ordenam o final de seu programa de enriquecimento de urânio, estávamos preparados para apoiar e facilitar as ações
quanto a uma proposta que
forneceria combustível nuclear ao Irã usando urânio
enriquecido pelo Irã -numa
demonstração de nossa disposição de trabalhar criativamente na busca de um caminho para a construção de confiança mútua.
No curso das consultas
quanto a isso, reconhecemos
também o desejo de garantias,
da parte do Irã. Como resultado, minha equipe se concentrou em garantir que a proposta da AIEA abarcasse diversas
cláusulas, entre as quais uma
declaração nacional de apoio
pelos EUA, a fim de enviar um
claro sinal do meu governo
quanto à nossa disposição de
nos tornarmos signatários diretos e até mesmo potencialmente desempenharmos um
papel mais direto no processo
de produção do combustível;
também ressaltamos a importância de um papel central para a Rússia e da custódia plena
da AIEA sobre o material nuclear durante todo o processo
de produção de combustível.
Na prática, a proposta da
AIEA oferecia ao Irã garantias
e compromissos significativos
e substanciais da parte da
AIEA, dos EUA e da Rússia. O
dr. El Baradei declarou publicamente que os EUA assumiriam a vasta maioria do risco,
na proposta da AIEA.
Como discutimos, o Irã parece estar seguindo uma estratégia projetada para criar a impressão de flexibilidade sem
que concorde com as ações
que poderiam começar a gerar
confiança mútua. Observamos
os vislumbres de flexibilidade
transmitidos pela Irã a você e a
outros, enquanto reiterava formalmente uma posição inaceitável à AIEA, por meio dos canais oficiais.
O Irã continuou a rejeitar a
proposta da AIEA e insistiu em
reter em seu território o urânio
de baixo enriquecimento até a
entrega do combustível nuclear. Essa é a posição que o Irã
transmitiu formalmente à
AIEA em janeiro e uma vez
mais em fevereiro de 2010.
Compreendemos o que vocês, a Turquia e outros nos dizem sobre o Irã continuar a
propor a retenção do LEU em
seu território até que exista
uma troca simultânea de LEU
por combustível nuclear. Como apontou o general Jones [assessor de Segurança
Nacional da Casa Branca] durante o nosso encontro, seria
necessário um ano para a produção de qualquer volume de
combustível nuclear. Assim, o reforço da confiança que a proposta da AIEA poderia propiciar seria completamente eliminado para os Estados Unidos, e diversos riscos
emergiriam. Primeiro, o Irã poderia continuar a ampliar seu
estoque de LEU ao longo do
período, o que lhes permitiria
acumular um estoque de LEU
equivalente ao necessário para duas ou três armas nucleares, no prazo de um ano.
Segundo, não haveria garantia de que o Irã concordaria
com a troca final. Terceiro, a
custódia da AIEA sobre o LEU
no território iraniano não nos
ofereceria melhora considerável ante a situação atual, e a
AIEA não poderia impedir o
Irã de retomar o controle do
urânio a qualquer momento.
Existe uma solução de compromisso potencialmente importante que já foi oferecida.
Em novembro, a AIEA transmitiu ao Irã nossa oferta de
permitir que o Irã transfira
seus 1.200 de LEU a um terceiro país, especificamente a Turquia, no início do processo,
onde ele seria armazenado durante o processo de produção
do combustível como caução
de que o Irã receberia de volta
o seu urânio caso não viéssemos a entregar o combustível.
O Irã jamais deliberou seriamente quanto a essa oferta de
"caução" e não ofereceu explicação confiável quanto à sua
rejeição. Creio que isso suscite
questões reais quanto às intenções nucleares iranianas.
Caso o Irã não esteja disposto a aceitar uma oferta que demonstre que seu LEU é para
usos pacíficos e civis, eu instaria o Brasil a insistir junto ao
Irã quanto à oportunidade representada por essa oferta de
manter seu urânio como "caução" na Turquia enquanto o
combustível nuclear está sendo produzido.
Ao longo do processo, em
vez de construir confiança, o
Irã vem solapando a confiança, da forma como abordou essa oportunidade. É por isso
que questiono a disposição do
Irã para um diálogo de boa-fé
com o Brasil, e por isso eu o
acautelei a respeito em nosso
encontro. Para iniciar um processo diplomático construtivo, o Irã precisa transmitir à
AIEA um compromisso construtivo quanto ao diálogo por
meio de canais oficiais, algo
que até o momento não fez.
Enquanto isso, continuaremos a levar adiante nossa busca por sanções, dentro do cronograma que delineei. Também deixei claro que as portas
estão abertas a uma aproximação com o Irã. Como você sabe,
o Irã até o momento vem recusando minha oferta de diálogo
abrangente e incondicional.
Aguardo ansiosamente a
próxima oportunidade de encontrá-lo e discutir essas questões, levando em conta o desafio que o programa nuclear iraniano representa para a segurança da comunidade internacional, inclusive no Conselho
de Segurança da ONU.
Sinceramente,
Barack Obama"
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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