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ANÁLISE
Exclusão temática marca eleição
MARCOS NOBRE
COLUNISTA DA FOLHA, DE BERLIM
A eleição alemã foi entediante. Mas foi também decisiva,
porque estabeleceu o primeiro
parâmetro de avaliação política
das ações dos países centrais
contra a crise econômica.
Uma eleição entediante significa basicamente que temas
de conflito e de disputa foram
excluídos ou neutralizados. Foi
o que o jornal "Süddeutsche
Zeitung" chamou de "cartel do
silêncio". A exclusão temática
se explica, em boa medida, por
uma conjunção de governo de
grande coalizão e de enfrentamento da crise econômica.
Pode-se dizer, com razão,
que a própria crise ganhou tamanho destaque que acabou
por colocar outros temas em
segundo plano. Mas o fato é que
a própria crise só apareceu na
campanha eleitoral como autoelogio dos dois grandes partidos da coalizão pelas medidas
que tomaram para combatê-la.
Nada foi dito sobre o que se
pretende fazer após a eleição.
É surpreendente, por exemplo, que um tema tão decisivo
como a Conferência do Clima
de Copenhague, em dezembro
próximo, tenha sido solenemente ignorado durante a campanha, mesmo pelos Verdes.
Uma exclusão como essa ainda poderia ser justificada pelo
fato de as expectativas de compromissos concretos na Conferência serem hoje quase nulas.
O que é difícil de justificar em
uma eleição alemã é a exclusão
de temas como a unificação de
1990, a Guerra do Afeganistão
ou mesmo o desemprego.
Toda a discussão sobre todos
os temas relevantes vai acontecer depois da eleição.
Apesar de a primeira-ministra reeleita vir da antiga Alemanha Oriental, apesar de persistirem desigualdades pronunciadas entre as regiões das duas
antigas Alemanhas, os 20 anos
da queda do muro não foram
discutidos durante a campanha. O processo de unificação,
realizado de cima para baixo, a
toque de caixa, continua politicamente recalcado.
O caso de não tema eleitoral
da Guerra do Afeganistão é
igualmente surpreendente, já
que representa a primeira intervenção militar terrestre alemã desde 1945.
Desemprego mascarado
Em vista da crise econômica
que atingiu duramente a Alemanha, é quase incompreensível que também o desemprego
tenha sido um não tema.
Todos os partidos falaram
em criar empregos, é claro. Mas
é preciso lembrar que faz parte
do pacote alemão contra a crise
um programa de trabalho temporário fortemente sustentado
pelo Estado que atinge hoje 1,4
milhão de pessoas.
Esse desemprego mascarado, por ser temporário, tem data para acabar. Isso deveria ter
sido o suficiente para transformar o desemprego em tema
central da campanha eleitoral.
Não foi o que aconteceu.
Esses talvez sejam apenas os
exemplos mais gritantes de não
temas eleitorais. O governo de
coalizão, os dois maiores partidos e as duas principais candidaturas são diretamente corresponsáveis pelas políticas em
relação a todos esses temas, em
especial em relação à crise.
Mas coube à primeira-ministra reeleita o poder de estabelecer os limites do campo do centro político em que se deu a disputa eleitoral. Seu parceiro de
coalizão, o SPD, não só aceitou
os limites que lhe foram impostos como agiu de maneira a garantir a exclusão dos temas e
das forças políticas que poderiam colocar em questão esses
limites estreitos do debate.
O SPD aceitou sem resistência a campanha anódina de
Merkel. O resultado foi a maior
derrota eleitoral da história do
partido em eleições parlamentares nacionais.
Mas nem todo o silêncio da
eleição pode ser atribuído à
grande coalizão. Com o vagalhão neoliberal da década de
1990, uma espécie de grande
acordo tácito se estabeleceu.
Uma grande maioria dentre
quem queria e quem não queria
as mudanças trazidas pela liberalização econômica consideraram que elas eram naquele
momento dificilmente evitáveis. Mas, ao mesmo tempo,
queriam pelo menos diminuir a
velocidade de sua implementação. Moveram-se então para
um novo centro político que ficou, por assim dizer, inflado.
Isso também explica muito
do que se costuma chamar de
desinteresse das pessoas pela
política e pela falta de vitalidade das democracias, novas e velhas. Não é por acaso que a abstinência na eleição alemã chegou a seu ponto mais baixo desde 1945, atingindo quase 30%.
O caso da Alemanha é tanto
mais significativo porque ali o
novo centro político chegou ao
extremo de produzir uma coalizão entre os dois maiores partidos, rivais históricos. Parecem
ter sido atingidos os limites
funcionais desse novo centro.
A reação do eleitorado alemão foi a decisão por uma coalizão de centro-direita, o que
reorganiza o sistema em dois
polos novamente.
Isso não significa que o novo
centro político formado na década de 1990 tenha se desfeito.
Mas mostra pelo menos que ele
se reconfigurou durante a crise.
Como se pode constatar pelo
crescimento da votação dos
Verdes, do partido A Esquerda
e do FDP, que aponta para mudanças significativas na paisagem partidária.
Ou seja, o estrago do "cartel
do silêncio" para o debate público e para a democracia alemã
já está feito. Mas, paradoxalmente, apesar de seu resultado
dar a vitória à centro-direita,
pode ser que essa eleição venha
a significar em um futuro próximo o fim de uma lógica de
funcionamento do sistema político que marcou os 30 últimos
anos de neoliberalismo. Pode
ser que o centro político formado há duas décadas esteja começando a desinflar.
O colunista encontra-se na Alemanha como "observador eleitoral" a convite do Daad (Serviço
de Intercâmbio Acadêmico Alemão)
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