São Paulo, segunda-feira, 28 de setembro de 2009

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ANÁLISE

Exclusão temática marca eleição

MARCOS NOBRE
COLUNISTA DA FOLHA, DE BERLIM

A eleição alemã foi entediante. Mas foi também decisiva, porque estabeleceu o primeiro parâmetro de avaliação política das ações dos países centrais contra a crise econômica.
Uma eleição entediante significa basicamente que temas de conflito e de disputa foram excluídos ou neutralizados. Foi o que o jornal "Süddeutsche Zeitung" chamou de "cartel do silêncio". A exclusão temática se explica, em boa medida, por uma conjunção de governo de grande coalizão e de enfrentamento da crise econômica.
Pode-se dizer, com razão, que a própria crise ganhou tamanho destaque que acabou por colocar outros temas em segundo plano. Mas o fato é que a própria crise só apareceu na campanha eleitoral como autoelogio dos dois grandes partidos da coalizão pelas medidas que tomaram para combatê-la. Nada foi dito sobre o que se pretende fazer após a eleição.
É surpreendente, por exemplo, que um tema tão decisivo como a Conferência do Clima de Copenhague, em dezembro próximo, tenha sido solenemente ignorado durante a campanha, mesmo pelos Verdes.
Uma exclusão como essa ainda poderia ser justificada pelo fato de as expectativas de compromissos concretos na Conferência serem hoje quase nulas.
O que é difícil de justificar em uma eleição alemã é a exclusão de temas como a unificação de 1990, a Guerra do Afeganistão ou mesmo o desemprego.
Toda a discussão sobre todos os temas relevantes vai acontecer depois da eleição.
Apesar de a primeira-ministra reeleita vir da antiga Alemanha Oriental, apesar de persistirem desigualdades pronunciadas entre as regiões das duas antigas Alemanhas, os 20 anos da queda do muro não foram discutidos durante a campanha. O processo de unificação, realizado de cima para baixo, a toque de caixa, continua politicamente recalcado.
O caso de não tema eleitoral da Guerra do Afeganistão é igualmente surpreendente, já que representa a primeira intervenção militar terrestre alemã desde 1945.

Desemprego mascarado
Em vista da crise econômica que atingiu duramente a Alemanha, é quase incompreensível que também o desemprego tenha sido um não tema.
Todos os partidos falaram em criar empregos, é claro. Mas é preciso lembrar que faz parte do pacote alemão contra a crise um programa de trabalho temporário fortemente sustentado pelo Estado que atinge hoje 1,4 milhão de pessoas.
Esse desemprego mascarado, por ser temporário, tem data para acabar. Isso deveria ter sido o suficiente para transformar o desemprego em tema central da campanha eleitoral. Não foi o que aconteceu.
Esses talvez sejam apenas os exemplos mais gritantes de não temas eleitorais. O governo de coalizão, os dois maiores partidos e as duas principais candidaturas são diretamente corresponsáveis pelas políticas em relação a todos esses temas, em especial em relação à crise.
Mas coube à primeira-ministra reeleita o poder de estabelecer os limites do campo do centro político em que se deu a disputa eleitoral. Seu parceiro de coalizão, o SPD, não só aceitou os limites que lhe foram impostos como agiu de maneira a garantir a exclusão dos temas e das forças políticas que poderiam colocar em questão esses limites estreitos do debate.
O SPD aceitou sem resistência a campanha anódina de Merkel. O resultado foi a maior derrota eleitoral da história do partido em eleições parlamentares nacionais.
Mas nem todo o silêncio da eleição pode ser atribuído à grande coalizão. Com o vagalhão neoliberal da década de 1990, uma espécie de grande acordo tácito se estabeleceu. Uma grande maioria dentre quem queria e quem não queria as mudanças trazidas pela liberalização econômica consideraram que elas eram naquele momento dificilmente evitáveis. Mas, ao mesmo tempo, queriam pelo menos diminuir a velocidade de sua implementação. Moveram-se então para um novo centro político que ficou, por assim dizer, inflado.
Isso também explica muito do que se costuma chamar de desinteresse das pessoas pela política e pela falta de vitalidade das democracias, novas e velhas. Não é por acaso que a abstinência na eleição alemã chegou a seu ponto mais baixo desde 1945, atingindo quase 30%.
O caso da Alemanha é tanto mais significativo porque ali o novo centro político chegou ao extremo de produzir uma coalizão entre os dois maiores partidos, rivais históricos. Parecem ter sido atingidos os limites funcionais desse novo centro.
A reação do eleitorado alemão foi a decisão por uma coalizão de centro-direita, o que reorganiza o sistema em dois polos novamente.
Isso não significa que o novo centro político formado na década de 1990 tenha se desfeito. Mas mostra pelo menos que ele se reconfigurou durante a crise. Como se pode constatar pelo crescimento da votação dos Verdes, do partido A Esquerda e do FDP, que aponta para mudanças significativas na paisagem partidária.
Ou seja, o estrago do "cartel do silêncio" para o debate público e para a democracia alemã já está feito. Mas, paradoxalmente, apesar de seu resultado dar a vitória à centro-direita, pode ser que essa eleição venha a significar em um futuro próximo o fim de uma lógica de funcionamento do sistema político que marcou os 30 últimos anos de neoliberalismo. Pode ser que o centro político formado há duas décadas esteja começando a desinflar.

O colunista encontra-se na Alemanha como "observador eleitoral" a convite do Daad (Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão)



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